Filmes controversos na plataforma da Netflix, podem representar uma série de coisas — desde a ousadia de um cineasta em desafiar ou ultrapassar os limites do que é considerado aceitável até a disposição de explorar assuntos delicados e provocativos. Ao se deparar com essas obras, o espectador muitas vezes é forçado a sair da zona de conforto e refletir sobre temas que raramente ganham espaço nas telas convencionais.
Essas produções costumam gerar intensos debates sobre o impacto emocional e psicológico que causam no público. Ao desafiar normas sociais e questionar valores estabelecidos, os filmes controversos tornam-se catalisadores de discussões profundas, revelando diferentes perspectivas e sentimentos entre críticos e espectadores.
A polêmica, muitas vezes, está ligada a decisões de elenco controversas, retratações consideradas imprecisas de contextos raciais ou históricos e abordagens que mexem com questões religiosas e culturais sensíveis. Ao retratar realidades cruas, cenas perturbadoras ou ao abordar tabus de forma direta, essas obras acabam dividindo opiniões, sendo alvo tanto de críticas ferozes quanto de elogios entusiasmados.
Para quem se interessa por esse tipo de cinema desafiador e provocativo, a Netflix reúne um catálogo com títulos que marcaram época justamente por gerarem controvérsia. São filmes que não passam despercebidos — seja pelo desconforto que causam, pela coragem de suas narrativas ou pelo debate que continuam a alimentar muito depois dos créditos finais.
To the Bone
To the Bone, dirigido por Marti Noxon, acompanha a jornada de Ellen, uma jovem de 20 anos que luta contra a anorexia. Também conhecida como Eli, ela já passou por diversos programas de recuperação, todos sem sucesso. No entanto, sua trajetória começa a mudar ao ingressar no programa do Dr. William Beckham. A forma como os outros pacientes influenciam Ellen e como ela lida com seus próprios traumas compõem a essência do enredo.
O filme mergulha profundamente nos aspectos pessoais dos personagens, mostrando como esses elementos impactam o estado emocional e físico de Ellen — muitas vezes a levando a episódios de pânico e recaídas.
Lily Collins interpreta Ellen de maneira intensa e sensível, enquanto Keanu Reeves assume o papel do Dr. Beckham. Carrie Preston completa o elenco principal como Susan, a madrasta de Ellen.
To the Bone gerou controvérsia por sua abordagem da anorexia. Muitos críticos e profissionais da saúde alegaram que o filme poderia estar romantizando ou glamorizando um transtorno alimentar potencialmente fatal, além de ignorar certas pesquisas e diretrizes clínicas sobre o tema.
Em resposta às críticas, Marti Noxon afirmou que seu objetivo com o longa foi justamente iniciar um diálogo sobre os transtornos alimentares e desfazer equívocos comuns, trazendo uma representação mais humana e realista da doença.
Dois Papas
Adaptado por Anthony McCarten a partir de sua peça “O Papa”, o filme os Dois Papas é uma cinebiografia estrelada por Jonathan Pryce como o Cardeal Jorge Mario Bergoglio, futuro Papa Francisco, e Anthony Hopkins como o Papa Bento XVI. Dirigido por Fernando Meirelles e ambientado na Cidade do Vaticano, o drama satírico retrata um encontro fictício entre os dois líderes religiosos, mergulhando em uma profunda e reveladora conversa sobre o futuro da Igreja Católica, marcada por ideologias opostas — conservadora versus progressista.
Além das discussões teológicas e políticas, o filme também aborda temas como fé, perdão, liderança e transformação pessoal, oferecendo uma reflexão íntima sobre os dilemas enfrentados por ambos os papas em momentos cruciais de suas vidas.
Apesar de aclamado por sua direção e pelas atuações de Pryce e Hopkins, Os Dois Papas enfrentou críticas quanto à veracidade de certos eventos retratados. Alguns críticos acusaram o longa de simplificar ou distorcer fatos históricos, recorrendo a estereótipos e adotando um tom considerado leve demais para temas tão sérios. Embora mencione apenas de forma sutil o escândalo dos vazamentos do Vaticano em 2012, muitos apontam que o filme cria a impressão de uma narrativa mais ficcional do que factual.
A obra também foi alvo de críticas por possíveis vieses políticos e espirituais, com o bispo Robert Barron, por exemplo, expressando publicamente sua insatisfação com a maneira como Bento XVI foi representado na trama.
A Lavanderia
O conto satírico A Lavanderia é baseado no livro Secrecy World, de Jake Bernstein, e aborda o escândalo dos Panama Papers por meio de uma narrativa irônica e crítica. Dirigido por Steven Soderbergh, o filme é estrelado por Meryl Streep como Ellen Martin, uma viúva que, ao investigar uma fraude de seguro, acaba mergulhando nas práticas obscuras reveladas pelos Documentos do Panamá.
Gary Oldman e Antonio Banderas interpretam, com irreverência, os advogados da vida real Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, servindo como narradores que guiam o espectador pela intricada rede de corrupção e lavagem de dinheiro operada através de sua empresa, Mossack Fonseca.
Apesar de seu estilo provocativo e seu elenco de peso, A Lavanderia enfrentou diversas controvérsias. Meryl Streep foi criticada por interpretar brevemente um personagem latino utilizando maquiagem que muitos classificaram como blackface. Além disso, os verdadeiros Mossack e Fonseca processaram a Netflix por difamação, buscando impedir o lançamento do filme. No entanto, a justiça norte-americana considerou a obra protegida pelo direito à liberdade de expressão, permitindo sua distribuição.
O governo do Panamá também se posicionou contra o longa, argumentando que sua imagem havia sido prejudicada, e o filme acabou sendo proibido na China por mencionar o político Bo Xilai, envolvido em um escândalo de corrupção no país.
Munique – No Limite da Guerra
Este thriller de espionagem se desenrola durante o Acordo de Munique de 1938, um momento decisivo que precedeu a Segunda Guerra Mundial. Munique – No Limite da Guerra acompanha a história de Hugh Legat (George MacKay), diplomata britânico, e Paul von Hartmann (Jannis Niewöhner), seu ex-colega de universidade que agora atua como oficial do governo alemão. Juntos, eles tentam, discretamente, impedir o avanço rumo ao conflito global iminente.
Dirigido pelo cineasta alemão Christian Schwochow e baseado no romance Munich, de Robert Harris, publicado em 2017, o filme mescla eventos históricos com ficção para criar um suspense político envolvente.
A obra gerou controvérsia ao apresentar uma imagem mais simpática do então primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, frequentemente criticado por sua política de apaziguamento frente a Adolf Hitler. Em vez de retratá-lo como um líder fraco ou ingênuo, o filme sugere que a Conferência de Munique teria sido uma manobra estratégica para ganhar tempo — permitindo que a Grã-Bretanha se rearmasse e fortalecesse suas alianças internacionais.
Essa interpretação mais revisionista do papel de Chamberlain gerou debates entre historiadores e o público, desafiando a visão tradicional que o pinta como responsável por ter permitido a ascensão da ameaça nazista.
Maestro
Escrito, dirigido e produzido por Bradley Cooper, Maestro traz o ator no papel do lendário maestro e compositor Leonard Bernstein. O drama, de ritmo introspectivo e envolvente, mergulha na vida pessoal de Bernstein, com foco especial em seu relacionamento complexo com a esposa, Felicia Montealegre, interpretada por Carey Mulligan. Mais do que uma cinebiografia tradicional, Maestro é uma história de amor singular que entrelaça genialidade musical e questões íntimas ao longo de várias décadas.
O filme, produzido pela Netflix, gerou controvérsias antes mesmo de seu lançamento. Uma das críticas mais intensas recaiu sobre o uso de um nariz protético por Bradley Cooper, o que levou a acusações de “Jewface” — termo usado para apontar representações estereotipadas de personagens judeus. A escolha de Cooper e Mulligan, ambos não judeus, para retratar figuras judias também foi alvo de escrutínio, com questionamentos sobre a falta de representatividade e oportunidades para atores judeus.
Apesar disso, os filhos de Leonard Bernstein defenderam publicamente a performance e as intenções de Cooper, elogiando a sensibilidade com que ele abordou o legado de seu pai. Ainda assim, Maestro foi rotulado por alguns críticos como uma típica “isca para o Oscar”, gerando debates sobre a autenticidade da obra e o equilíbrio entre reverência artística e ousadia narrativa.
Nyad
Adaptado do livro de memórias Find a Way, o drama esportivo Nyad retrata a jornada real e inspiradora de Diana Nyad, interpretada por Annette Bening em uma performance indicada ao Oscar. Dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin, o filme acompanha a jornalista e nadadora de longa distância em sua tentativa histórica de atravessar 110 milhas em mar aberto, nadando de Cuba até a Flórida — um feito extraordinário que ela buscou realizar aos 60 anos de idade.
Apoiada por sua melhor amiga, ex-parceira e treinadora Bonnie Stoll (Jodie Foster), Nyad enfrenta medusas venenosas, exaustão física e os perigos do oceano, impulsionada por sua determinação implacável e desejo de superação pessoal.
Apesar do tom inspirador e das atuações aclamadas, Nyad também gerou controvérsias após o lançamento. Críticos apontaram que o filme simplifica aspectos logísticos da travessia, ao retratar o desafio como uma natação “sem assistência”, quando, na realidade, envolveu uma equipe robusta, múltiplos barcos de apoio e tecnologia sofisticada. Essa abordagem foi vista por alguns como uma romantização que minimiza o trabalho coletivo necessário para uma façanha dessa magnitude.
Além disso, o filme toma liberdades criativas ao inserir eventos que não aconteceram, como uma tentativa de cruzar o Canal da Mancha ou um dramático encontro com um tubarão — elementos fictícios que, embora reforcem o drama cinematográfico, levantaram críticas por distorcer experiências vividas por outros nadadores de maratona, mas não pela própria Nyad.
Blonde
Desde o anúncio de Ana de Armas no papel principal, Blonde foi alvo de ceticismo — principalmente por parte daqueles que questionavam se sua origem cubana a desqualificaria para interpretar Marilyn Monroe, uma das figuras mais icônicas do cinema americano. Desafiando dúvidas e críticas, de Armas entrega uma performance intensa e indicada ao Oscar como Norma Jeane, também conhecida como Marilyn Monroe.
Adaptado do romance homônimo de Joyce Carol Oates, o longa-metragem dirigido por Andrew Dominik é uma obra de ficção biográfica que mistura fatos reais e dramatizações, explorando a vida dupla de Monroe entre o brilho de Hollywood e o sofrimento íntimo. O filme revisita eventos marcantes — como a ascensão meteórica à fama e as filmagens de Some Like It Hot — enquanto mergulha nas camadas mais sombrias da psique da atriz, marcada por traumas, abusos e inseguranças.
Narrativamente ousado e visualmente perturbador, Blonde recorre a simbolismos polêmicos, como a inserção de um feto em CGI que conversa com Monroe, reforçando temas sobre maternidade, perda e controle do próprio corpo. A representação gráfica de abortos, nudez e violência sexual provocou forte reação do público e da crítica, com muitos acusando o filme de exploração emocional e sensacionalismo.
A controvérsia também se estendeu aos bastidores: um executivo da MGM chegou a ser demitido após se recusar a liberar imagens originais dos filmes de Monroe para o diretor. Após o lançamento na Netflix, Blonde dividiu opiniões, sendo apontado por muitos como reducionista — focando no ícone sexual mais do que na mulher complexa por trás da imagem.
Tanto Joyce Carol Oates quanto Ana de Armas defenderam o projeto como uma visão feminista sem concessões, destinada a chocar e confrontar. Ainda assim, críticos destacaram distorções biográficas — como a sugestão de que Monroe teria feito abortos, quando os registros indicam apenas abortos espontâneos — levantando questionamentos sobre possíveis agendas políticas por trás da narrativa.