
A forma como percebemos o mundo e nos relacionamos com os outros nem sempre segue padrões universais, e essa realidade é vivenciada com profundidade por pessoas com autismo. Em seu livro de memórias Look Me in the Eye, John Elder Robison reflete sobre uma das muitas particularidades do espectro autista: o desconforto ao fazer contato visual. “E agora eu sei que é perfeitamente natural para mim não olhar para alguém quando falo”, afirma o autor, diagnosticado com a Síndrome de Asperger. Para ele, não compreender a razão de o contato visual ser considerado uma norma social apenas reforça o quanto as convenções são, muitas vezes, construídas sem levar em conta diferentes formas de ser e perceber o outro.
Nos últimos anos, o autismo tem ganhado mais espaço em narrativas da televisão e do cinema, contribuindo para uma representação mais honesta e empática das pessoas no espectro. Séries como Atypical e Touch se destacam nesse cenário ao colocar personagens autistas no centro de suas tramas, oferecendo ao público não apenas entretenimento, mas também a chance de refletir sobre inclusão, empatia e diversidade de experiências humanas. Essas produções têm o mérito de explorar não só os desafios enfrentados por esses indivíduos, mas também suas singularidades e formas únicas de enxergar o mundo.
A Netflix tem desempenhado um papel relevante nesse movimento ao ampliar o espaço para histórias protagonizadas por pessoas autistas. Além das séries, a plataforma também disponibiliza filmes que abordam o tema com sensibilidade, permitindo que o espectador entre em contato com novas perspectivas. Essa abordagem tem o potencial de desmistificar estereótipos e de fomentar o respeito às diferenças, ao mesmo tempo em que cria oportunidades para que pessoas autistas se vejam representadas nas telas de maneira mais fiel e digna.
A popularização dessas narrativas não apenas amplia a compreensão do público sobre o espectro autista, mas também levanta questionamentos importantes sobre o que consideramos “normal” no comportamento humano. Assim como John Elder Robison compartilha sua vivência e questiona convenções sociais como o contato visual, as obras audiovisuais ajudam a desafiar padrões rígidos, promovendo uma cultura mais acolhedora. Ao dar voz a essas histórias, a arte se torna um canal essencial para a inclusão e o reconhecimento da pluralidade humana. Confira 5 filmes sobre autismo disponíveis na Netflix:

A Voz de Makayla: Uma Carta ao Mundo
O curta-documentário de Julio Palacio, A Voz de Makayla: Uma Carta ao Mundo, narra a tocante história de Makayla Cain, uma jovem de 14 anos cuja rara forma de autismo a impede de falar.
Ainda assim, Makayla encontra uma poderosa forma de comunicação por meio de um quadro de letras, revelando ao mundo sua visão singular — profundamente pessoal e, ao mesmo tempo, surpreendentemente universal. Sensível e poético, o filme destaca-se por abordar o autismo sob uma ótica rara e comovente, mostrando que a imaginação transcende as palavras.

Goyo
O romance argentino Goyo retrata com delicadeza o que acontece quando o jovem autista do título (interpretado por Nicolás Furtado), guia em um museu, se vê inesperadamente atraído por Eva (Nancy Dupláa), a nova segurança do local.
Acostumado a seguir uma rotina rigorosa — cuidadosamente respeitada por todos ao seu redor —, Goyo começa a experimentar sentimentos novos que ameaçam desestabilizar sua estrutura cotidiana. Ainda assim, ele não parece se incomodar, mesmo sem saber exatamente como lidar com essas emoções. Doce, comovente e, por vezes, intensa, a direção sensível de Marcos Carnevale constrói uma história de amor incomum, que aborda o autismo com empatia e autenticidade, sem recorrer ao melodrama.

Uma Aula de Harmonia
Dirigido por Kerwin Go, este comovente drama filipino é um remake do filme sul-coreano homônimo lançado em 2018. A trama acompanha Joma (Zanjoe Marudo), um ex-boxeador que enfrenta dificuldades para se manter.
Um dia, ele reencontra sua mãe distante, Sylvia (Dolly de Leon), após 17 anos, e decide se mudar para a casa dela. Lá, é surpreendido ao conhecer Jayjay (Elijah Canlas), seu meio-irmão autista, de cuja existência jamais soube. Talentoso no piano, Jayjay se revela uma presença inesperada e transformadora. O filme acompanha a construção de um vínculo improvável entre os dois irmãos, marcado pelo poder da arte e pelo delicado equilíbrio entre o dar e o receber. Uma história sensível sobre reconexão, aceitação e os laços que resistem ao tempo.

Farol das Orcas
Farol das Orcas é um delicado filme argentino que combina o encanto de um conto de fadas com a beleza contemplativa de um documentário sobre a natureza, ambientado na deslumbrante e remota Patagônia. Inspirado em uma história real, o longa acompanha Lola, mãe de Tristán, um menino com autismo que não fala e sofre crises de pânico frequentes.
Em busca de uma mudança na vida do filho, Lola decide levá-lo para conhecer Beto Bubas, um biólogo marinho que se tornou guarda-parque, após perceber que Tristán se emocionava ao assistir seus programas na TV. Inicialmente relutante, Bubas acaba se afeiçoando à dupla e os convida a permanecer em sua casa de campo.
Aos poucos, ele introduz Tristán à natureza local — ao mar, às orcas, aos cavalos e aos remos —, e o menino começa a reagir de forma surpreendentemente positiva ao novo ambiente. O filme emociona ao mostrar como o contato com a natureza e a sensibilidade humana podem abrir caminhos silenciosos, porém profundos, de conexão.

Já Fui Famoso
Dirigido por Eddie Sternberg, Já Fui Famoso acompanha Vince Denham (Ed Skrein), um ex-integrante de uma boy band em decadência, em busca de uma segunda chance na música. Durante uma apresentação improvisada em um mercado, ele conhece Stevie (Leo Long), um talentoso baterista de 18 anos que é autista.
A conexão entre os dois é instantânea e sincera, dando início a uma parceria musical e emocional que transforma suas vidas. À medida que enfrentam seus próprios desafios pessoais, Vince e Stevie encontram apoio mútuo e aprendem a se reinventar.
No entanto, a jornada não é simples — especialmente quando Amber (Eleanor Matsuura), mãe de Stevie, teme que o novo sonho possa trazer frustrações e recaídas para o filho. Sensível e inspirador, o filme é um retrato tocante sobre amizade, empatia e a busca por pertencimento.