
De Família Soprano a Game of Thrones, a HBO, hoje conhecida como Max no Brasil, entregou alguns dos maiores marcos da história da televisão. Reconhecida por sua ousadia e sofisticação, a emissora foi pioneira em transformar a TV em um espaço de narrativas densas, personagens complexos e tramas de longo fôlego. Antes que canais como AMC e Showtime ou plataformas como Netflix entrassem na corrida por séries de prestígio, a HBO já ditava o ritmo da chamada “Era de Ouro da Televisão”.
Foi a HBO que consolidou o conceito de “Peak TV”, trazendo à telinha anti-heróis moralmente ambíguos, narrativas serializadas e uma estética visual que rivalizava com o cinema. A revolução começou com Oz, o drama carcerário cru e sem concessões que rompeu com os padrões estabelecidos da época. A partir dali, a emissora se tornou referência em conteúdo adulto, provocativo e profundamente humano.
Ao longo dos anos, a HBO humanizou mafiosos em The Sopranos, explorou o significado da morte em A Sete Palmos, escancarou a neurose urbana com Segura a Onda (Curb Your Enthusiasm) e mergulhou nos dilemas sociais e institucionais de Baltimore com The Wire. Cada série se tornou um estudo de caso em excelência narrativa, com roteiros refinados, atuações memoráveis e abordagens inovadoras.
Embora existam dezenas de grandes produções assinadas pela HBO, algumas se destacam como obras-primas obrigatórias para qualquer amante de televisão. Inovadoras, ousadas e artisticamente impecáveis, essas séries não apenas entretêm, elas transformam a maneira como enxergamos o próprio meio televisivo.

Chernobyl
Antes de levar The Last of Us para a televisão, o roteirista Craig Mazin já havia transformado um evento apocalíptico da vida real em um poderoso drama nas ondas da HBO. Em Chernobyl, ele reconstrói os horrores do desastre nuclear soviético e a corrida desesperada para conter seus efeitos devastadores. Embora a minissérie tome algumas licenças criativas para condensar a narrativa ou intensificar o drama, o resultado é, em grande parte, um retrato historicamente fiel da tragédia.
Apesar de o mundo inteiro já ter ouvido falar do acidente de Chernobyl, poucos conhecem os bastidores, as falhas humanas e políticas que levaram à explosão do reator. A produção da HBO mergulha nesses detalhes com impressionante rigor técnico e sensibilidade narrativa. O resultado é uma obra profundamente cinematográfica, envolta em uma atmosfera inquietante e sustentada por atuações intensas e memoráveis de todo o elenco.

Succession
Jesse Armstrong lançou um olhar satírico e afiado sobre a vida do um por cento em sua aclamada série Succession. A trama acompanha o império do magnata da mídia Logan Roy e a feroz disputa entre seus filhos para definir quem herdará o trono corporativo quando ele deixar o comando. Ao mesmo tempo em que é uma comédia mordaz que escancara os excessos e absurdos da elite, Succession também se revela uma envolvente saga familiar, marcada por relações disfuncionais e personagens complexos, trágicos, falhos, e, surpreendentemente, cativantes.
Os Roys são obscenamente ricos, moralmente questionáveis e elitistas até a medula, mas cada um carrega suas próprias rachaduras emocionais, o que os torna estranhamente humanos. É essa vulnerabilidade, escondida sob camadas de cinismo e poder, que mantém o público fascinado. Succession equilibra magistralmente a sátira impiedosa com momentos de empatia genuína, fazendo o espectador oscilar entre a repulsa e a compaixão por aqueles que deveriam ser, à primeira vista, apenas detestáveis.

Game of Thrones
Adaptada da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, Game of Thrones é uma saga épica de fantasia medieval que acompanha a luta brutal entre diversas casas nobres pelo controle do Trono de Ferro e o domínio dos Sete Reinos de Westeros. Embora tenha conquistado rapidamente os fãs do gênero, a série ultrapassou as fronteiras da fantasia e alcançou um público ainda mais amplo.
Mais do que dragões e feitiçaria, Game of Thrones é uma narrativa profundamente humana sobre ambição, traição, poder e corrupção. Em meio a espadas e batalhas, o que se desenrola são intrigas políticas complexas e dramas familiares intensos. Pode até parecer O Senhor dos Anéis à primeira vista, mas se desenrola como O Poderoso Chefão, com suas alianças frágeis, golpes estratégicos e uma constante tensão entre honra e sobrevivência.

A Sete Palmos (Six Feet Under)
O drama psicológico tragicômico Six Feet Under, criado por Alan Ball, acompanha a disfuncional família Fisher enquanto tenta manter o negócio funerário da família após a morte repentina do patriarca. Ambientada em uma casa funerária e cercada constantemente pela presença da morte, a série transforma o luto em uma lente para refletir sobre a própria vida.
O grande mérito de Six Feet Under é justamente esse contraste: apesar de mergulhar em temas sombrios, ela é, acima de tudo, uma celebração das pequenas coisas que tornam a existência significativa. Amor, conexão humana e a difícil arte de viver o presente são os fios condutores da trama. Com personagens intensamente humanos e narrativas profundamente emocionais, a série caminha para um desfecho inesquecível, considerado por muitos como um dos finais mais impactantes e bem executados da história da televisão.

Band of Brothers
Após colaborarem em O Resgate do Soldado Ryan, Steven Spielberg e Tom Hanks retornaram à Segunda Guerra Mundial para produzir Band of Brothers, aclamada minissérie da HBO ambientada durante o conflito. Lançada em 2001, a produção foi pioneira ao trazer para a televisão um nível de realismo e qualidade cinematográfica até então raro no formato seriado.
Tão visceral, corajosa e grandiosa quanto o filme que a inspirou, Band of Brothers se destaca por sua abordagem épica, mas com a vantagem de um tempo de execução mais extenso, o que permite um mergulho mais profundo na complexidade emocional dos soldados em combate. É uma série de guerra intensa e repleta de ação, mas também um tocante estudo de personagem, que revela, com sensibilidade, o lado humano por trás da brutalidade do campo de batalha.

Segura a Onda (Curb Your Enthusiasm)
Após sete temporadas nos bastidores como o cérebro por trás de Seinfeld, Larry David assumiu o protagonismo em sua próxima criação. Em Curb Your Enthusiasm, ele interpreta uma versão ficcional de si mesmo — um sujeito ranzinza e sem filtros que se envolve em situações sociais constrangedoras ao questionar as regras não escritas da convivência.
Assim como Seinfeld, a série é uma sátira inteligente das pequenas irritações do cotidiano, mas adota um tom mais ácido e sombrio. O grande diferencial de Curb está na improvisação: o roteiro fornece apenas as diretrizes, enquanto o brilhante elenco preenche os diálogos no improviso, o que confere à série uma espontaneidade única, desconfortável, hilária e profundamente real.

A Escuta (The Wire)
David Simon canalizou sua experiência como repórter policial em Baltimore para criar The Wire, uma das séries mais aclamadas da história da televisão. Com um olhar preciso e quase jornalístico, a produção faz uma análise profunda das engrenagens institucionais que mantêm cidades como Baltimore presas a ciclos de crime, pobreza e corrupção sistêmica.
Ao longo de suas temporadas, The Wire examina a polícia, o tráfico de drogas, os serviços públicos subfinanciados, o sistema educacional e a política local, compondo um retrato complexo e honesto da realidade urbana americana. A série surgiu como um antídoto poderoso aos dramas policiais convencionais, repletos de fórmulas e clichês. Seu realismo é tão marcante que muitas vezes se assemelha a um documentário no estilo “mosca na parede”.
Apesar dos temas pesados e da crítica social implacável, The Wire é sustentada por um elenco de personagens ricamente desenvolvidos e cativantes. São essas figuras humanas, com todas as suas contradições e vulnerabilidades, que garantem à série uma carga emocional envolvente, e, por vezes, até divertida, em meio ao caos institucional que retrata.

Família Soprano
O Poderoso Chefão quebrou os arquétipos do gênero gangster ao retratar mafiosos como personagens tridimensionais. Os Bons Companheiros (Goodfellas) foi além, oferecendo uma visão quase documental da vida no crime. David Chase levou essa humanização da máfia a um novo patamar com Família Soprano, a série revolucionária que redefiniu a televisão moderna.
A produção foca no cotidiano de uma família criminosa ítalo-americana, equilibrando os atos brutais do submundo, assassinatos, extorsões, traições, com momentos surpreendentemente mundanos, que os filmes do gênero frequentemente ignoram. Tony Soprano, vivido de forma magistral por James Gandolfini, marcou uma virada na representação dos protagonistas da TV: ele é um assassino, um criminoso implacável e um adúltero contumaz, mas, ainda assim, profundamente carismático e, em certos momentos, estranhamente adorável.
Família Soprano reúne todos os elementos clássicos de um drama policial, mas, no centro de sua narrativa, está um drama familiar com o qual qualquer espectador pode se identificar. A série mostrou que a televisão podia ser tão complexa, sofisticada e impactante quanto o melhor do cinema, e abriu caminho para uma nova era na narrativa audiovisual.