Crítica

Crítica: Com natureza, luto e crime, Indomável entrega umas das séries mais densas da Netflix

O poder de um suspense que sussurra

Crítica: Com natureza, luto e crime, Indomável entrega umas das séries mais densas da Netflix

Algumas séries precisam de ação para te prender. Indomável precisa apenas do vento cortando as pedras de Yosemite. Na nova minissérie da Netflix, o suspense não está no sangue, mas no silêncio. E é justamente esse silêncio, denso, incômodo, quase mineral, que transforma a história de um agente federal em luto em algo maior do que um mistério.

Kyle Turner, vivido por Eric Bana em sua melhor atuação desde Munich, não é o herói que soluciona tudo. É o homem que perdeu demais para fingir que entende o mundo. Chamado ao Parque Nacional para investigar a morte de uma alpinista, ele logo percebe que o corpo no chão é apenas o início, a queda verdadeira vem depois, e acontece por dentro.

Eric Bana encontra o peso exato entre contenção e ruína

Não há sobras no que Bana entrega. Sua atuação é silenciosa, cheia de pausas que dizem mais do que qualquer linha de roteiro. Ele caminha como quem já caiu, fala como quem já não espera ser ouvido. 

O luto pela perda do filho, revelado sem melodrama, molda sua expressão, sua presença. Em cena, Eric Bana ocupa o espaço com o mesmo cuidado de quem pisa sobre gelo fino, ele sabe que qualquer excesso pode trincar a emoção.

Nos raros momentos em que a dor escapa, ela o faz de maneira abrupta. Há um monólogo contido sobre desespero e responsabilidade que vale por um episódio inteiro. É uma performance que não implora por atenção, mas a conquista.

Coadjuvantes fortes em uma série que não subestima o elenco

Lily Santiago, como a guarda florestal Naya Vasquez, funciona como bússola moral da série. Ela contrapõe Turner com humanidade, lucidez e um senso de urgência que o protagonista, quebrado, não consegue mais sustentar sozinho. Seus diálogos são enxutos, mas eficazes, e sua entrega, precisa.

Sam Neill, por sua vez, encarna o veterano que carrega mais segredos do que parece. Sua presença traz gravidade, como uma memória coletiva do parque. Ele não está apenas em cena: está enraizado naquele lugar. A série também acerta em sua escolha de coadjuvantes menores, que pontuam a narrativa com realismo, sem parecerem apenas peças de enredo.

Narrativa que escava mais do que revela

Os seis episódios seguem uma estrutura de thriller tradicional, há uma morte, uma investigação, segredos enterrados e o passado que retorna, mas Indomável não tem pressa. Ao contrário de muitos dramas policiais, aqui o ritmo é pausado. Intencionalmente. 

Cada revelação vem com o peso da hesitação. Cada pista é entregue como quem teme o que pode encontrar. O roteiro não está interessado em surpresas fáceis, mas em atmosferas. Em camadas. E nisso ele acerta. Mas não sem tropeços: alguns arcos paralelos soam previsíveis, certos conflitos são resolvidos funcionalmente demais, e o terceiro episódio poderia perder cinco minutos sem prejuízo. Ainda assim, a construção supera os atalhos.

Final sem respostas fáceis, e isso é virtude

Indomável não fecha todas as portas. E faz bem. Ao fim do último episódio, há mais silêncio do que explicação. E é proposital. A série entende que nem todo abismo precisa de ponte. Algumas dores não se curam; algumas culpas não se apagam.

Turner termina onde começou: em confronto com a paisagem, com o vazio, com ele mesmo. Mas há um deslocamento sutil, quase imperceptível, em sua forma de olhar o mundo. E é nesse espaço entre o que muda e o que permanece que a série encontra sua força.

Indomável está disponível na Netflix.