Gestão questionável

Ascensão e queda de startup é tema de série protagonizada por Anne Hathaway e Jared Leto

Embora menos conhecido do grande público, Neumann foi responsável por uma das empresas mais revolucionárias e controversas da sua geração: a WeWork

WeCrashed está na Apple TV+
WeCrashed está na Apple TV+

No início da década passada, o mundo viu nascer uma leva de startups de tecnologia promissoras, muitas delas comandadas por jovens ousados e inovadores, que romperam com os modelos tradicionais de gestão e empreendedorismo. Em meio a nomes consagrados como Mark Zuckerberg e Jack Dorsey, surgiu o israelense Adam Neumann. Embora menos conhecido do grande público, Neumann foi responsável por uma das empresas mais revolucionárias e controversas da sua geração: a WeWork.

Idealizador e CEO da startup, Adam Neumann tinha uma visão grandiosa: transformar espaços de coworking em comunidades vibrantes e produtivas. Com um discurso carismático e propostas aparentemente disruptivas, atraiu bilhões em investimentos e colocou a empresa em um patamar comparável ao das gigantes da tecnologia. Em seu auge, a WeWork chegou a ser avaliada em incríveis 47 bilhões de dólares.

Mas por trás dessa ascensão meteórica havia um enredo turbulento, recheado de decisões arriscadas, gestão questionável e comportamentos fora do comum. Esse pano de fundo chamou a atenção da Apple TV+, que decidiu transformar a trajetória do casal Neumann na série WeCrashed, estrelada por Jared Leto e Anne Hathaway, ambos vencedores do Oscar.

A produção dramatiza a relação entre Adam e sua esposa Rebekah Neumann, revelando não apenas os bastidores do crescimento da WeWork, mas também os excessos, as extravagâncias e os desvios de conduta que marcaram o período em que o casal esteve à frente da empresa.

Cena de WeCrashed

O charme e o caos da liderança Neumann

A série evidencia como o casal Neumann influenciava todos os aspectos da companhia, desde as decisões estratégicas até o ambiente interno de trabalho. O carisma e a visão de Adam eram inegáveis, mas vinham acompanhados de um estilo de liderança caótico, com episódios de assédio moral, festas excessivas e um culto à personalidade que confundia os limites entre a empresa e a vida pessoal.

Rebekah, por sua vez, atuava como uma espécie de guia espiritual da empresa, promovendo discursos motivacionais baseados em crenças esotéricas e decisões administrativas pouco ortodoxas. Juntos, eles criaram um ambiente de trabalho onde a “vibe” era mais importante que a competência — a ponto de demitirem funcionários simplesmente por não se encaixarem na energia desejada.

Apesar disso, a WeWork atraiu uma avalanche de investimentos. Entre 2016 e 2019, foram captados 17 bilhões de dólares, sendo 10,6 bilhões apenas do Softbank, fundo japonês que apostou pesado no potencial da empresa. Tudo isso com base em planos pouco claros e uma promessa de revolução nos espaços corporativos.

A valorização da empresa, no entanto, era mais uma bolha de entusiasmo do que um reflexo da realidade financeira. As contas não fechavam e os gastos desenfreados se acumulavam, mas o discurso encantador de Neumann mantinha os investidores confiantes, pelo menos até certo ponto.

Jared Leto e Anne Hathaway em WeCrashed

Estratégias questionáveis e ganhos pessoais

Adam Neumann era um visionário, mas também sabia aproveitar as brechas do sistema a seu favor. Uma de suas manobras mais polêmicas foi comprar imóveis em seu nome e alugá-los para a própria WeWork. Essa estratégia lhe rendeu 12 milhões de dólares entre 2016 e 2017, ao mesmo tempo em que gerava conflitos éticos sobre o uso dos recursos da empresa para benefício próprio.

Outra jogada arriscada foi usar ações da WeWork como garantia para empréstimos pessoais, obtendo mais de 700 milhões de dólares em crédito antes mesmo da empresa alcançar estabilidade financeira. Essas práticas, embora não ilegais, levantaram questionamentos sobre a integridade da liderança e o futuro da companhia.

Com o tempo, essas atitudes começaram a minar a confiança de investidores e conselheiros. Em 2019, quando a WeWork se preparava para abrir capital na Bolsa de Valores, uma análise mais detalhada das finanças revelou um cenário preocupante: a empresa não dava lucro e seus gastos superavam em muito as receitas.

O IPO fracassado foi o estopim para a queda de Adam Neumann. Sob pressão, ele foi forçado a renunciar ao cargo de CEO. O império que parecia inabalável começou a ruir, revelando um modelo de negócios insustentável alimentado mais por discursos do que por resultados concretos.

Jared Leto em WeCrashed

Reestruturação e lições do fracasso

Após a saída de Neumann, a WeWork passou por uma profunda reestruturação. Novos executivos assumiram a liderança e conduziram a companhia por um caminho mais realista e focado na sustentabilidade financeira. O valor de mercado despencou: de 47 bilhões para menos de 10 bilhões de dólares em pouco tempo.

Mesmo assim, a empresa sobreviveu. Ainda hoje, o conceito de coworking criado pela WeWork continua relevante, especialmente em um mundo pós-pandemia, no qual a flexibilidade do trabalho se tornou mais valorizada. Porém, a marca continua carregando o estigma do colapso causado por uma gestão baseada em excessos e delírios de grandeza.

A história de Adam Neumann serve como exemplo das possibilidades e dos perigos do empreendedorismo moderno. Sua trajetória é, ao mesmo tempo, inspiradora e didática: mostra como uma boa ideia pode ser arruinada por má gestão e falta de responsabilidade.

WeCrashed consegue captar essa dualidade com intensidade, ao explorar não apenas os eventos externos, mas também os conflitos internos e emocionais de seus personagens. Ao final, fica a pergunta: até que ponto o carisma de um líder pode cegar investidores e colaboradores diante de uma realidade disfuncional?

Espelho dos tempos

Um espelho dos tempos

O caso WeWork também reflete um momento específico da cultura corporativa, em que unicórnios eram celebrados mais por sua promessa do que por seus lucros. A obsessão por disrupção criou um ecossistema em que líderes excêntricos e modelos de negócio nebulosos eram aplaudidos antes mesmo de provarem seu valor.

Adam Neumann é produto e símbolo desse ambiente. Seu fracasso não foi apenas pessoal, foi coletivo. Mostrou que o ecossistema de startups precisa de menos mitos e mais transparência. E que a inovação verdadeira deve caminhar junto da responsabilidade.

A história continua ecoando, e seus desdobramentos ainda são sentidos. WeWork está viva, mas mudou. E o nome Neumann se tornou sinônimo de uma era de ouro que terminou em desilusão. Uma narrativa real, quase inacreditável, que mereceu virar série.

E, mais do que uma simples dramatização, WeCrashed oferece um alerta: o sucesso rápido pode ser tão ilusório quanto o carisma de quem o promove.

Confira o trailer de WeCrashed:

 

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