Nem todo investimento bilionário se traduz em lucro. Nos bastidores da guerra dos streamings, algumas plataformas caminham a passos largos rumo à lucratividade, enquanto outras ainda parecem longe de equilibrar as contas.
Entre elas, uma das gigantes do mercado está surpreendendo mais pelo rombo do que pelos números de assinantes ou suas produções. Mesmo com um dos melhores catálogos da atualidade, a Apple TV+ vem enfrentando dificuldades inesperadas e sua dívida já alcança números expressivamente preocupantes.
Seis anos após sua estreia, o que chama atenção não é seu alcance global e séries muito bem produzidas, mas sim o prejuízo de US$ 1 bilhão por ano que continua a acumular.
Uma estratégia arriscada
Lançada em 2019, a Apple TV+ optou por seguir um caminho diferente de suas concorrentes desde o início. Em vez de montar um catálogo extenso com títulos licenciados, o serviço focou em produções originais, apostando na exclusividade como principal diferencial.
Esse tipo de estratégia acaba sendo muito arriscado, pois exige tempo, consistência e, acima de tudo, muito investimento para gerar retorno — algo que ainda não aconteceu.
Enquanto isso, serviços que começaram depois já mostram sinais de recuperação. A Peacock, da Comcast, por exemplo, reduziu suas perdas de US$ 2,5 bilhões em 2022 para US$ 372 milhões em 2024. A Apple TV+, por outro lado, não apenas mantém seu prejuízo anual em alta, como também enfrenta dificuldades para ampliar sua base de assinantes em um ritmo competitivo.
Hoje, a plataforma soma cerca de 45 milhões de usuários. Para efeito de comparação, o Paramount+ já ultrapassa os 77 milhões, enquanto a Netflix, líder do mercado, está na casa dos 300 milhões.
Mesmo com produções aclamadas como Ruptura, Ted Lasso e The Morning Show, a Apple ainda está longe de converter esse prestígio em lucro suficiente para reverter o cenário financeiro.
Sucesso de crítica não cobre o prejuízo
Embora tenha conquistado prêmios importantes, incluindo o Oscar de Melhor Filme por No Ritmo do Coração, a Apple TV+ não conseguiu transformar esse reconhecimento em crescimento sustentável.
Segundo estimativas da Antenna, Ruptura, a série mais comentada da plataforma, atraiu dois milhões de novos assinantes. Um número expressivo para uma única produção, mas insuficiente diante do abismo que a separa dos líderes do setor.
Para sair do vermelho, a empresa precisaria lançar vários títulos com o mesmo impacto todos os anos — algo extremamente difícil de se manter, mesmo com orçamentos generosos.
Para isso, o streaming tem investido pesado em parcerias com estrelas como Reese Witherspoon, Jennifer Aniston, Tom Holland, Natalie Portman e Brad Pitt. Além disso, novas apostas como a série de Vince Gilligan, criador de Breaking Bad, e filmes dirigidos por Spike Lee e Joseph Kosinski estão no radar.
Ainda assim, parte desses títulos será lançada antes nos cinemas, o que pode enfraquecer o apelo da exclusividade — justamente o principal argumento de venda da plataforma.
A lógica por trás da persistência
O que torna a situação ainda mais curiosa é a aparente tranquilidade da empresa em manter um serviço que só dá prejuízo. A explicação está na estrutura maior da companhia. Diferente de concorrentes cujo foco principal é o entretenimento, a Apple encara seu serviço de streaming como uma vitrine de prestígio, não como sua principal fonte de receita.
Com um faturamento de US$ 391 bilhões no último ano fiscal, a Apple pode se dar ao luxo de sustentar perdas na casa do bilhão sem grandes impactos. Enquanto os prêmios continuam chegando e a marca ganha força no meio artístico, o CEO Tim Cook parece mais disposto a investir em reputação do que em retorno imediato.
O projeto, desde o início, tinha como objetivo evitar a dependência de terceiros para distribuição de conteúdo e construir uma base sólida e autoral. Ao longo do tempo, até mesmo esse ideal foi flexibilizado, com a inclusão de séries antigas no catálogo.
Apesar do fôlego financeiro, não há garantias de que a Apple manterá esse modelo indefinidamente. A pressão de acionistas e o ritmo acelerado da concorrência podem forçar mudanças na estratégia, principalmente se os investimentos não começarem a se justificar.
Por enquanto, a Apple TV+ continua operando como um projeto de longo prazo, com foco em prestígio e relevância artística. Mas, em um mercado onde até as gigantes estão cortando gastos e reavaliando prioridades, perder bilhões todos os anos pode deixar de ser aceitável mais cedo do que se imagina.