O último episódio da segunda temporada de Sandman encerra com uma narrativa que mistura suavidade e urgência, explorando o fim através dos olhos de uma entidade que nunca morre.
Em meio a encontros improváveis e desejos desesperados, a história ganha um tom introspectivo ao acompanhar uma versão mortal da Morte em seu único dia de descanso em um século.
O personagem central do episódio é Sexton, um jornalista que conhece Morte por acaso após sofrer um acidente. Em um momento em que cogita tirar a própria vida, ele aceita a ajuda de uma mulher que parece apenas gentil, sem saber que ela representa o fim de todos.
O encontro desencadeia uma série de eventos que o colocam frente a frente com figuras que também lidam com perdas e o significado da existência.
Um pedido antigo e uma escolha definitiva
Mad Hettie é uma dessas figuras. Conhecida por sua excentricidade, ela guarda um segredo: ao esconder a alma da filha falecida, Cordelia, Hettie tornou-se imortal.
Sua obsessão por evitar a partida definitiva a levou a perder-se no tempo. No entanto, o pendente que Morte compra por acaso, contendo o retrato de Cordelia, também guarda a alma que Hettie protegeu por tanto tempo.
Ao finalmente reencontrar esse fragmento do passado, Hettie decide que é hora de partir. Seu gesto é de aceitação. Ela escolhe morrer com intenção, algo raro em uma história onde o fim costuma chegar sem aviso.
Enquanto isso, Theo, outro personagem marcado pela perda, busca Morte por um motivo oposto: deseja ressuscitar Natalie, uma amiga que não conseguiu salvar. Em sua dor, ele ignora o que Hettie entende tão bem e, ao tentar forçar um retorno, acaba frustrado, percebendo que nem mesmo uma entidade como Morte pode oferecer esse tipo de reconexão.
Sexton e a possibilidade de recomeço
Sexton surge como uma figura em suspenso, prestes a desistir da vida diante de um mundo que o sufoca. Em seu caminho, surgem Billie, Jackie e a própria Morte, cada um revelando uma camada diferente de como se pode seguir em frente mesmo quando tudo parece ruir. O encontro com Jackie, em especial, o confronta com a possibilidade de sentir algo novo, apesar das cicatrizes que carrega.
É somente ao ouvir Morte que Sexton compreende que viver, mesmo sem garantias, ainda é um ato de coragem. A conversa com Jackie e a lembrança de sua dor não desaparecem, mas se tornam mais suportáveis diante da chance de se abrir para alguém.
Ao compartilhar uma experiência semelhante à de Sexton, ela oferece empatia sem romantismo. A relação entre os dois é uma tentativa de cura mútua, onde o peso da existência se distribui.
O legado de Morte e o valor de um único dia
Para Morte, o episódio é também uma jornada pessoal. Como um dos Perpétuos, ela é imortal e não pode conhecer a própria finitude. No entanto, a cada cem anos, tem o direito de viver por um dia como mortal. Essa chance de experimentar o que coleta em outros permite que ela compreenda a humanidade de forma mais profunda.
Durante esse período, Morte vive como qualquer pessoa. Sente dor, medo e empatia de forma tátil. A experiência não a aproxima apenas de Sexton, mas também a ajuda a relembrar por que seu trabalho deve ser feito com delicadeza. A bondade que ela oferece às almas no momento da partida é resultado de sua própria experiência com o efêmero.
Essa escolha narrativa confere humanidade à Morte, destacando que, embora eterna, ela também aprende com aqueles que acompanha. Ao se permitir viver um dia de forma plena, ela se reconecta com o valor que existe em cada segundo, mesmo nos mais sombrios.
Dessa forma, Sandman mais uma vez reafirma sua capacidade de transformar conceitos abstratos em narrativas sensíveis. A morte, tão temida e evitada, é apresentada como uma presença que exige empatia. Ao final, o que fica é a ideia de que viver é aceitar as incertezas e, mesmo assim, buscar conexões verdadeiras.
Sandman se despede sem exagero, mas com profundidade. E em meio às perdas e reconciliações, o que deixa é um lembrete de que tudo o que temos é o agora, (e talvez isso seja o suficiente).