
Desde que estreou, a segunda temporada de Pacificador tem explorado caminhos pra lá de inesperados. O que começou como uma série cômica e violenta sobre um anti-herói desajustado evoluiu para um estudo profundo sobre sentimentos, identidade, culpa e arrependimento.
Ao contrário da primeira temporada, onde o humor, a ação e o drama coexistiam em equilibrio, os novos episódios mergulharam em uma atmosfera mais sombria (ainda sem perder o tom característico da série). A narrativa desacelerou e a trajetória pessoal do Pacificador passou a ocupar o centro da narrativa.
Chris Smith tenta fugir de seu passado e literalmente se perde em outras realidades em busca de uma vida diferente. Isso dividiu opiniões, mas o sexto episódio mostra que tudo fazia parte de um plano maior.

Uma distopia não tão oculta assim
Nas últimas semanas, a internet foi inundada por teorias de que a realidade alternativa não era tão boa quanto aparentava e, no sexto episódio, a série finalmente revela o que muitos espectadores já desconfiavam.
A realidade alternativa onde Chris se refugiou é, na verdade, um universo dominado por ideologias nazistas. Fato é que o mundo em que seu pai, o supremacista Dragão Branco, é visto como um herói, não poderia ser outra coisa senão uma distopia baseada em extremismo, conservadorismo radical e autoritarismo racial.
A série vinha deixando pistas desde o início para os olhares mais atentos. Ainda no episódio 5, quando Chris tenta se reconectar com Harcourt em um parque, a direção faz questão de focar em pelo menos um figurante negro a cada take. É sútil, mas não passou despercebido.
Essa escolha foi usada como artifício para que ficasse evidente o contraste com a nova realidade, onde não há nenhuma pessoa não branca circulando livremente. Esses detalhes foram plantados para que o espectador percebesse aos poucos que algo estava errado.
O cuidado visual culmina na revelação final do sexto episódio, em que Chris observa uma bandeira dos EUA com uma suástica no lugar das estrelas, enquanto Adebayo sofre uma perseguição violenta de moradores. A série deixa claro que o sonho de paz de Chris estava enraizado em uma realidade opressora.

Um retrato brutal de uma sociedade “em ordem”
Ao criar essa versão do mundo, a série propõe uma análise crua sobre uma utopia genérica, escancarando uma realidade em que a paz é alcançada às custas da exclusão e da repressão.
A série não retrata esse mundo como uma caricatura rasa do nazismo, mas sim como uma realidade funcional e “bem-sucedida” do ponto de vista de quem está no poder. Não há sinais de guerra ou caos, há uma aparência de ordem, e é justamente esse semblante que torna tudo mais assustador.
Nesse universo, a paz existe porque qualquer pessoa que desvie do padrão foi presa, e isso revela uma crítica amarga sobre como sociedades autoritárias podem vender a ideia de estabilidade enquanto sustentam estruturas de violência sistemática. É um retrato perturbador de um passado que insiste em se repetir sob novas roupagens.

James Gunn e a escolha de temas incômodos
Não é de hoje que o James Gunn usa o entretenimento como forma de comentar questões sociais. Se em Superman ele fez uma crítica indireta às intervenções armadas dos Estados Unidos em países com pouca capacidade de defesa ou retaliação, em Pacificador ele escolheu mostrar o que poderia acontecer se ideais extremistas se tornassem norma, mirando nas raízes e consequências do supremacismo sem fazer discursos panfletários ou declarações literais.
A coragem de abordar esse tema dentro de uma série de super-herói é rara, ainda mais quando isso é feito sem abrir mão do humor, da violência exagerada e do estilo visual que definiu a série desde o começo. Gunn escolhe colocar seus personagens diante de espelhos desconfortáveis, e obriga o público a encarar essas imagens também.

A realidade bate à porta da ficção
O diretor já deixou claro em diversas entrevistas que não está fazendo um manifesto direto ou uma “alfinetada” específica, mas passa a ser inegável que o contexto político global torna impossível assistir ao sexto episódio (ou até mesmo Superman) sem lembrar dos acontecimentos da vida real.
Em um momento em que ideias extremistas voltam a ganhar espaço em vários países, Pacificador usa sua narrativa para fazer um alerta sutil, mas extremamente eficaz. A realidade mostrada é um reflexo de escolhas que já foram feitas antes e que podem, com facilidade, voltar a se repetir.
Ao mostrar um mundo onde Dragão Branco é herói, onde minorias são apagadas e onde a bandeira é corrompida por ódio, a série expõe os perigos da nostalgia cega e da recusa ao progresso social – e faz isso sem perder sua identidade, reforçando por que ainda é uma das melhores produções do momento.
Pacificador está disponível na HBO Max.