
Desde que O Senhor dos Anéis chegou aos cinemas, muita coisa foi exaltada, e com razão. A trilogia de Peter Jackson é considerada uma das adaptações mais épicas já feitas. Mas, para quem conhece a fundo a obra de J.R.R. Tolkien, algumas decisões criativas ainda geram certo desconforto.
Uma delas envolve a escolha de Arwen por uma vida mortal, algo que, nos filmes, nunca foi bem explicado. Agora, com a terceira temporada de Os Anéis de Poder em produção, o Prime Video tem uma chance de ouro para consertar essa mudança confusa e, de quebra, dar profundidade a uma história essencial sobre os primeiros reis dos Homens e o início de Númenor.
A série prepara o terreno para a tragédia de Númenor
Ao longo de suas duas primeiras temporadas, Os Anéis de Poder percorreu uma ampla geografia da Terra-média, com foco em civilizações antigas como Eregion e Khazad-dûm. Mas é em Númenor, o poderoso reino insular dos Homens, que a história está prestes a alcançar seu ponto de ruptura. O segundo ano da série já deixou claro que o destino da ilha será selado pela influência de Sauron, que pretende entregar nove anéis aos Homens, com atenção especial aos númenorianos.
Nos bastidores dessa destruição iminente, há uma origem que ainda não foi devidamente explorada: a ascensão de Númenor sob a liderança de Elros, irmão gêmeo de Elrond. Sem essa base, a queda da ilha corre o risco de perder seu impacto emocional. Afinal, como sentir a perda de algo que nunca foi mostrado em sua glória?
Elros, o primeiro rei de Númenor, e sua escolha única
Elros é uma figura central no universo de Tolkien. Irmão gêmeo de Elrond, ele nasceu elfo, mas fez uma escolha única ao decidir viver como um mortal. Essa decisão não veio do nada: Elros e Elrond eram Meio-Elfos, descendentes de grandes heróis que uniram os mundos dos Homens e dos Elfos. Seus pais, Eärendil e Elwing, arriscaram tudo durante a guerra contra Morgoth para unir os povos e pedir auxílio aos Valar, os seres quase divinos da história de Tolkien.
Como recompensa, os Valar ofereceram à linhagem de Eärendil o direito de escolher entre a imortalidade élfica e a mortalidade humana. Elrond escolheu a eternidade, mas Elros optou pela condição humana, sendo recompensado com o reino de Númenor, uma ilha mágica erguida do mar pelos próprios Valar. Essa fundação precisa ser contada com mais profundidade na série, porque sem ela, o destino trágico da ilha não carrega o peso que deveria.
O que a série pode mostrar que os filmes ignoraram
Nos filmes dirigidos por Peter Jackson, o tema da mortalidade é tocado através do romance entre Arwen e Aragorn. Em determinado momento, Elrond tenta dissuadir Arwen de seguir seu coração, dizendo que ela seria condenada a vagar pelo mundo sozinha após a morte do amado. A ideia é dramática, mas também é incoerente. Nos livros, Elrond sabe muito bem que sua filha pode escolher viver como mortal. Afinal, seu próprio irmão já havia feito essa escolha milênios antes.
A trilogia cinematográfica simplesmente pulou essa explicação. Arwen, no fim das contas, escolhe ser mortal sem maiores consequências narrativas. É aí que Os Anéis de Poder pode intervir, trazendo contexto e significado para essa escolha através de Elros. Mostrar sua história em flashback, com Robert Aramayo interpretando tanto Elrond quanto Elros, seria uma forma brilhante de conectar os pontos, e de tornar o drama de Arwen muito mais crível e comovente.
Elros é a chave para entender o dom dos homens
Dentro do universo de Tolkien, a mortalidade não é vista como uma maldição, mas como um dom. É chamada de “o Dom dos Homens”, uma dádiva dada por Eru Ilúvatar, o criador de tudo. Enquanto os Elfos permanecem presos ao mundo, mesmo após a morte, os Homens seguem para um destino desconhecido. Segundo algumas crenças da obra, esse destino pode ser um estado de existência em um plano superior, longe das dores da Terra-média.
Elros aceitou essa dádiva, e com isso deu início à linhagem real de Númenor. Seus descendentes, no entanto, esqueceram o valor desse presente e passaram a temer a morte. Isso levou ao grande erro de desafiar os próprios Valar em busca de imortalidade, o que acabou provocando a destruição de toda a ilha. Mostrar essa linha do tempo, desde a origem sagrada até a queda por orgulho, traria uma profundidade nova à série. E mais: explicaria melhor por que a decisão de Arwen tem tanto peso na mitologia de Tolkien.
Arwen e o legado de Elros: como a série pode unir tudo
Um dos pontos mais emocionantes que Os Anéis de Poder pode alcançar é o elo entre Elros e Arwen. Mesmo separados por milênios, ambos compartilham o mesmo dilema: abrir mão da imortalidade por amor e propósito. Se a série mostrar Elrond lidando com a escolha de seu irmão no passado, isso poderia refletir diretamente no futuro, em como ele reage à decisão de Arwen nos filmes.
Seria um toque poético, unindo narrativas que, até hoje, pareciam desconectadas. A terceira temporada tem a oportunidade de usar flashbacks com Elros não apenas para explicar a origem de Númenor, mas também para recontextualizar um dos pontos mais criticados da trilogia cinematográfica. Uma jogada inteligente e respeitosa com o legado de Tolkien, além de um presente para os fãs.