
Assim como o cinema se vale de mundos pós-apocalípticos para revelar a vulnerabilidade da sociedade diante de eventos que abalam suas estruturas, as séries de TV também exploram com profundidade esse cenário de colapso e recomeço. A principal diferença entre os dois formatos está na abordagem narrativa: enquanto os filmes geralmente condensam suas tramas em poucas horas, as séries aproveitam o formato seriado para desenvolver histórias mais densas e personagens mais complexos ao longo de várias temporadas.
Esse tempo extra permite uma análise mais aprofundada das cicatrizes deixadas por eventos catastróficos, frequentemente revelando um retrato sombrio da humanidade. Longe de visões idealizadas de superação, essas produções mostram o recrudescimento da violência em contextos onde as regras desaparecem, além de expor, com frequência, o agravamento das desigualdades sociais durante os processos de reconstrução.
Recentemente, a Netflix anunciou uma nova série baseada na clássica história em quadrinhos argentina O Eternauta, criada por Francisco Solano López e Héctor Germán Oesterheld. A adaptação promete trazer uma nova abordagem ao gênero pós-apocalíptico, mantendo sua relevância social e a capacidade de capturar a atenção do público. A expectativa é que, assim como no material original, a obra aborde temas como resistência, autoritarismo e sobrevivência sob uma perspectiva profundamente humana.
Não faltam exemplos marcantes de séries que conquistaram o público pela ambientação meticulosa ou pelas reflexões provocadas — e, muitas vezes, pela combinação eficaz de ambos os elementos. O resultado é um mergulho imersivo em universos devastados, onde a esperança parece sempre um passo atrás da ruína.
Hora de Aventura
Pode até não parecer à primeira vista, mas Hora de Aventura se passa em um mundo pós-apocalíptico. O que começou como uma teoria dos fãs — baseada na abertura da animação e em alguns episódios isolados — foi sendo confirmado gradualmente ao longo das temporadas, revelando camadas surpreendentes por trás do universo colorido e aparentemente inocente da série.
A jornada de Finn e seu cão mágico, Jake, pode soar descompromissada (e muitas vezes absurda), mas logo fica evidente que tudo se passa em um planeta devastado por uma hecatombe nuclear que pôs fim à humanidade e deu origem a novas formas de vida. Prova disso é o fato de Finn ser constantemente chamado de “O Último Humano”, o que reforça a ideia de que ele é o único sobrevivente da nossa civilização.
Ao longo da série, também somos apresentados a fragmentos do passado — memórias, ruínas, personagens e tecnologias antigas — que ajudam a montar esse quebra-cabeça sombrio. E é aí que percebemos: o desenho está longe de ser bobo. Pelo contrário, ele explora temas profundos e, por vezes, perturbadores sobre a decadência do mundo, tudo isso disfarçado sob uma estética vibrante e cheia de humor. Onde ver: Netflix.
The Strain
The Strain começa de forma instigante: um Boeing 777 aterrissa no aeroporto JFK, em Nova York, e subitamente fica parado na pista, com todas as janelas cobertas e sem qualquer comunicação com a tripulação ou os passageiros. Diante da suspeita de uma ameaça biológica, o Dr. Ephraim “Eph” Goodweather é chamado para investigar — e o que ele encontra dentro da aeronave é aterrorizante.
Enquanto isso, em outra parte da cidade, o sobrevivente do Holocausto Abraham Setrakian reconhece os sinais do que está por vir. Ele sabe que algo antigo e maligno despertou — e que uma guerra está prestes a começar.
Assim tem início uma batalha épica contra uma ameaça ancestral: um vírus de origem vampiresca que se espalha rapidamente, mergulhando Nova York no caos. Criada por Guillermo del Toro e Chuck Hogan, a série mistura ficção científica, terror e ação, oferecendo uma abordagem sombria e visceral do mito dos vampiros. Onde ver: Disney+.
See
See pode ser visto como uma espécie de Ensaio Sobre a Cegueira sem a sutileza e o lirismo da escrita de José Saramago — aproximando-se mais do tom brutal e apocalíptico de The Last of Us do que da metáfora existencial que marca a obra literária. Isso, no entanto, não é exatamente um demérito, mas sim uma abordagem mais direta e visceral para tratar de uma mesma premissa: um mundo privado da visão.
A série estrelada por Jason Momoa se passa séculos após um vírus dizimar grande parte da população e deixar os sobreviventes cegos. A partir disso, a humanidade é forçada a se reinventar, criando uma nova sociedade completamente adaptada à escuridão. Mas tudo muda quando dois irmãos gêmeos nascem com a rara capacidade de enxergar — um dom que, em vez de ser celebrado, é encarado com temor e perseguição.
O grande atrativo de See está justamente na forma como reimagina a civilização diante da ausência da visão, apresentando uma sociedade que retorna a um estado tribal, mas com resquícios de uma era tecnológica esquecida. Soma-se a isso o carisma de Jason Momoa, que assume o protagonismo com a imponência física e presença de cena que o tornaram um astro, ajudando a conduzir a trama com intensidade, mesmo nos momentos em que o roteiro se apoia mais na ação do que na profundidade temática. Onde ver: Apple TV+.
Station Eleven
Station Eleven chegou discretamente ao catálogo da HBO Max, mas logo se consolidou como uma das minisséries mais aclamadas da plataforma. A série, que se desenrola em várias linhas do tempo, acompanha os sobreviventes de uma gripe mortal que dizimou a população, enquanto tentam reconstruir e reimaginar um novo mundo, mantendo viva a memória do que foi perdido.
A produção é uma reflexão profunda sobre a resiliência humana, a arte, a memória e a necessidade de encontrar significado em tempos de caos. A crítica elogiou não apenas o enredo envolvente e as atuações, mas também a forma sensível com que a história aborda os efeitos duradouros de uma catástrofe global.
Além do sucesso entre os críticos, Station Eleven foi indicada a sete prêmios Emmy, incluindo Melhor Ator em Série Limitada ou Antologia para Dev Patel, que entrega uma performance marcante, como o protagonista que busca manter a chama da esperança acesa em meio ao colapso da civilização. Onde ver: Max.
Sweet Tooth
Baseado de forma bastante livre na HQ da Vertigo, Sweet Tooth apresenta uma visão agridoce de um futuro em que crianças passam a nascer com traços híbridos de animais. A série consegue equilibrar muito bem a doçura visual dessas criaturas — com seus olhinhos expressivos, orelhas peludas e caudas fofas — com a dura realidade que as cerca, tornando o contraste entre inocência e crueldade um dos grandes trunfos da narrativa.
Grande parte do charme da trama está em desvendar, aos poucos, o que levou o mundo àquela condição. Desde o primeiro episódio, sabemos que uma misteriosa doença chamada Flagelo se espalhou rapidamente, provocando uma pandemia que dizimou grande parte da humanidade. Coincidentemente — ou não —, todas as crianças nascidas desde então apresentam alguma forma de hibridismo, o que desperta medo, superstição e perseguição por parte dos sobreviventes.
É nesse contexto que conhecemos Gus (Christian Convery), um menino-cervo criado em isolamento por seu pai em uma cabana no meio do bosque. Protegido durante toda a infância, Gus é forçado a enfrentar o mundo exterior após a morte do pai — um ambiente hostil, em que a luta pela sobrevivência anda lado a lado com a busca por sentido em meio à perda e ao caos. Onde ver: Netflix.
The Last of Us
The Last of Us rapidamente se estabeleceu como uma das grandes produções televisivas de 2023 e, possivelmente, do século. Baseada na aclamada franquia de games da Naughty Dog, a série da HBO Max é criada por Craig Mazin e Neil Druckmann, que também participou do desenvolvimento do jogo original. Ambientada vinte anos após a queda da civilização moderna, a narrativa acompanha Joel (Pedro Pascal), um sobrevivente endurecido pelas adversidades, que é contratado para contrabandear Ellie (Bella Ramsey), uma jovem de 14 anos, para fora de uma zona de quarentena brutalmente controlada.
O que começa como uma simples missão de contrabando logo se transforma em uma jornada devastadora, à medida que Joel e Ellie cruzam os Estados Unidos em um mundo pós-apocalíptico. A relação entre os dois evolui de uma parceria forçada para uma conexão profunda, com ambos sendo forçados a confiar um no outro para sobreviver aos horrores que os cercam. A série não é apenas uma história de sobrevivência, mas um estudo emocional e humano sobre perda, sacrifício e o que significa lutar por algo maior do que si mesmo. Onde ver: Max e Prime Video.
Silo
Uma das produções mais recentes a conquistar espaço entre as séries de ficção científica de destaque é Silo, da Apple TV+, baseada nos livros de Hugh Howey. Grande parte do apelo da série vem do mistério cuidadosamente construído em torno do que realmente aconteceu com o mundo. Logo de início, o espectador descobre apenas que a maior parte da humanidade foi dizimada por um evento desconhecido, restando cerca de 10 mil sobreviventes confinados em silos subterrâneos, sem qualquer contato com a superfície — supostamente tóxica e inabitável.
A partir desse ponto, a trama começa a se desenrolar, revelando lentamente os segredos que envolvem esse mundo fechado. Conforme os personagens passam a questionar a versão oficial da história e a autoridade que os governa, cresce a tensão e a sensação de paranoia. O que está sendo escondido? O que é verdade? E, sobretudo, o que há realmente lá fora?
A estrutura da narrativa remete diretamente ao Mito da Caverna de Platão: a protagonista, interpretada por Rebecca Ferguson (Duna: Parte 1), inicia uma jornada de descoberta ao confrontar a realidade que lhe foi ensinada, buscando a verdade além das sombras projetadas pelas autoridades. À medida que se aproxima dessa verdade, ela não apenas coloca sua vida em risco, mas também abala toda a frágil estabilidade do mundo em que vive. Onde ver: Apple TV+.
Black Knight
Escrita e dirigida por Cho Ui-seok, Black Knight é uma produção sul-coreana baseada na webtoon Delivery Knight, de Lee Yoon-gyun. A trama se passa em um futuro distópico, no ano de 2071, quando o ar tornou-se tão tóxico que a vida humana só é possível com o uso constante de respiradores. Com a maior parte da península coreana transformada em um deserto inóspito e apenas 1% da população original ainda viva, a sociedade sobrevive em ruínas e sob um regime de extrema desigualdade.
Nesse cenário brutal, a única esperança de manutenção da vida cotidiana repousa nas mãos de um grupo de entregadores — verdadeiros heróis das estradas, que não apenas transportam suprimentos essenciais, mas também enfrentam perigos constantes em meio ao caos. Black Knight combina ação, crítica social e ficção científica para refletir sobre temas como sobrevivência, colapso ambiental e resistência frente à opressão. Onde ver: Netflix.