
Mesmo sem fazer parte oficial do universo de Blade Runner, a série Murderbot, do Apple TV+, parece ter assumido a função de herdeira da franquia. Longe de replicar visualmente o estilo neo-noir consagrado por Ridley Scott, a nova produção aposta em um tom mais leve e introspectivo, mas ainda assim mergulha nas mesmas questões filosóficas que tornaram o clássico tão influente.
Inspirada nos livros de Martha Wells, a série protagonizada por Alexander Skarsgård chegou à plataforma antes mesmo da aguardada Blade Runner 2099, cuja estreia está prevista para o final de 2025. E, apesar das diferenças visuais, a série conseguiu se destacar justamente por ampliar as reflexões que marcaram a obra original.
Um novo olhar sobre inteligências artificiais
Murderbot gira em torno de um andróide de segurança que hackeia seu próprio sistema para escapar do controle da corporação que o criou. Livre, mas ainda vinculado a missões designadas por humanos, o robô passa a questionar sua existência, enquanto desenvolve vínculos afetivos com os cientistas que deveria apenas proteger.
Esse tipo de questionamento se aproxima das discussões levantadas por Blade Runner sobre a existência artificial, o controle corporativo e a autonomia dos seres criados por humanos. Em Murderbot, essas ideias ganham uma abordagem mais cotidiana e emocional, sem perder de vista o pano de fundo crítico que marca ambas as obras.
A principal diferença está no tom. Ao contrário do pessimismo estético de Blade Runner, Murderbot adota um humor contido e reflexivo. Seu protagonista não deseja rebelar-se ou destruir o sistema; tudo o que quer é assistir sua novela favorita em paz.
Apesar de uma direção visual menos impactante, a série usa bem seus recursos para contar uma história de introspecção e resistência silenciosa. Seu protagonista não precisa de uma estética cyberpunk para se mostrar à deriva em um mundo que o trata como ferramenta.
Ecos do passado em uma distopia
Murderbot apresenta elementos que podem ser vistos como evoluções naturais das ideias presentes em Blade Runner 2049, dirigido por Denis Villeneuve. O chamado “módulo governador” do andróide funciona como uma versão distorcida do teste de base aplicado aos replicantes.
A construção do universo também carrega heranças do mundo criado por Ridley Scott em 1982. Em vez das ruas chuvosas e repletas de neon, temos um ambiente mais limpo e espaçoso, mas ainda assim controlado por uma empresa onipresente e indiferente.
Enquanto Blade Runner 2099 não chega com sua identidade visual grunge e sombria que define o gênero cyberpunk, Murderbot ocupa esse espaço trilhando um caminho mais limpo, mas igualmente crítico. A nova série compartilha do mesmo olhar cético sobre corporações, identidade e o que significa existir.
Com o avanço da primeira temporada e uma eventual renovação, Murderbot pode aprofundar ainda mais suas conexões com Blade Runner, especialmente ao explorar o passado sombrio do protagonista e os abusos da corporação que o controla.
Murderbot não é uma substituição, mas uma extensão do debate iniciado em 1982, agora adaptado para um público que também busca por humanidade onde menos se espera. Enquanto uma peodução apresenta o mundo como ele pode se tornar quando o poder é absoluto, a outra mostra como resistir a isso com pequenos gestos de consciência.