Charlie Hunnam surpreendeu ao deixar o papel de motoqueiro rebelde em Sons of Anarchy para viver um dos assassinos mais perturbadores da história. Em Monstro: A História de Ed Gein, terceira parte da antologia de Ryan Murphy, o ator se entrega a um personagem que habita o limiar entre o real e o imaginado.
Com atmosfera densa e tom provocador, a série revisita os crimes do fazendeiro de Wisconsin que inspiraram filmes como Psicose e O Massacre da Serra Elétrica, mas o que mais chama atenção é a ousada releitura de uma das cenas mais emblemáticas do cinema e o que ela diz sobre o público que consome esse tipo de história.
A cena do chuveiro, agora sob um novo olhar
A sequência mais comentada da temporada acontece quando Ed Gein, interpretado por Hunnam, encena uma versão distorcida da clássica cena do chuveiro de Psicose. Em vez de Marion Crane, é Adeline (Suzanna Son) quem protagoniza a cena e, no lugar de Norman Bates, o assassino é o próprio Gein.
Murphy recria cada detalhe (a cortina, a luz fria, o corte do enquadramento), mas, ao final do ataque, a câmera se afasta e revela uma plateia em um cinema dos anos 1960, reagindo entre aplausos e gritos ao filme de Hitchcock. A metáfora é clara, não apenas nesse episódio, mas na série como um todo: o horror real virou entretenimento, e o público é cúmplice dessa transformação.
O episódio também insere Hitchcock (Tom Hollander) e o escritor Robert Bloch em conversas sobre ética e inspiração, destacando a linha tênue entre criar arte e explorar a dor alheia. Assim, essa temporada de Monstro, critica exatamente o que ela é, e questiona por que seguimos fascinados por figuras monstruosas.
Um espelho da cultura do terror
Ao revisitar Psicose, Murphy não apenas homenageia Hitchcock, como o transforma em uma provocação. Assim como apresentado na série, na década de 1960, o mestre do suspense aterrorizava sem mostrar sangue. Hoje, o horror precisa ser explícito, sangrento e visualmente chocante.
O seriado mostra que, ao longo das décadas, o público passou a estar cana vez mais anestesiado para a violência, deixando de temer o desconhecido para buscar o grotesco. A cena do chuveiro, agora com Gein no papel de assassino, simboliza esse apetite moderno por violência estilizada. É o terror que deixou de assustar e passou a fascinar.
Murphy propõe uma reflexão sútil (que, por vezes se perde no meio de tantas informações dessa temporada): talvez o verdadeiro “monstro” não seja o assassino, mas a sociedade que o transforma em espetáculo.
Charlie Hunnam e a desconstrução do anti-herói
Ryan Murphy alterna entre o rigor histórico e a liberdade artística, retratando fatos reais, ao tempo que introduz elementos ficcionais, como o romance com Adeline e diálogos imaginários com Hitchcock.
Enquanto alguns elogiam o tom simbólico e a direção provocativa, outros acusam a Netflix de glamorizar a violência e transformar assassinos em ícones culturais, ecoando o que ocorreu com Dahmer na primeira temporada da antologia.
Aqui, no entanto, Hunnam entrega uma atuação fria, introspectiva e inquietante. Longe de romantizar Gein, ele o apresenta como um homem devastado por isolamento e delírio. Sua interpretação foge do estereótipo do “serial killer carismático” e enfatiza o vazio emocional que define o personagem.
Essa abordagem se diferencia das anteriores da antologia, que muitas vezes geraram empatia involuntária pelos assassinos retratados. Aqui, o desconforto é intencional e o público é forçado a observar sem se identificar.
No fim, Monstro: A História de Ed Gein é uma análise (e uma crítica) sobre como a cultura popular transformou assassinos reais em ícones midiáticos.