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Limpa: Explicamos o final do filme da Netflix

Drama chileno mergulha em temas de afeto, ausência e perda

Limpa
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A forma como relações humanas se constroem e se rompem pode ser mais impactante do que qualquer reviravolta explosiva. Em algumas histórias, é o que não é dito que reverbera com mais força. Esse é o caso de Limpa, produção chilena disponível na Netflix, que escolhe o silêncio e os gestos contidos para tratar de vínculos, abandono e dor.

Ao longo de sua duração, o filme apresenta uma atmosfera calma, quase contemplativa, mas que aos poucos revela tensões profundas escondidas no cotidiano. As ausências ganham mais peso que as presenças, e os afetos surgem nos pequenos detalhes. É nesse ritmo que Limpa se desenrola, até chegar a um final devastador, que deixa o espectador em estado de choque.

A trama gira em torno de Estela, uma empregada doméstica que trabalha para uma família de classe alta em Santiago, no Chile. Vindoura de Chiloe, uma região mais afastada, ela leva uma vida solitária, dedicada integralmente à casa dos patrões, os Jensen. Seu principal vínculo ali é com a filha do casal, a pequena Julia, com quem desenvolve uma relação de carinho e cumplicidade rara.

Enquanto os pais se mostram distantes, ocupados com suas rotinas e responsabilidades, é Estela quem está presente nos momentos mais importantes da infância de Julia. Essa conexão se intensifica ainda mais quando os Jensen decidem ensinar a filha a nadar, mas transferem a responsabilidade para a funcionária. Com métodos próprios e mais empáticos, ela se torna a verdadeira mentora da menina.

A presença ausente dos pais

A negligência emocional dos pais é um tema central em Limpa. Cristóbal e Mara, apesar de bem-intencionados em teoria, deixam claro que sua prioridade está longe de ser a filha. Preferem delegar o cuidado da criança à funcionária, enquanto seguem com compromissos sociais e profissionais. Essa ausência cria um vácuo que Estela, mesmo sem querer, acaba preenchendo.

Com o tempo, os laços se expandem. Estela começa a se permitir sonhar novamente: conhece um rapaz, pensa em visitar a mãe doente em Chiloe e tenta reorganizar a vida para além do trabalho. Mas a realidade é cruel. Mesmo quando sua mãe sofre um acidente grave, os patrões tentam dissuadi-la de viajar, sugerindo que a visita poderia esperar. Tudo sempre gira em torno da conveniência deles.

Quando finalmente se prepara para ir, a notícia da morte da mãe a atinge com brutalidade. A tristeza toma conta de Estela, que decide cancelar a viagem em cima da hora, mergulhando num luto silencioso. É nesse momento que sua relação com Julia também começa a ruir, ainda que involuntariamente.

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O segredo revelado e as consequências

Revoltada com a ausência de Estela na viagem de férias, Julia acaba revelando um segredo: meses antes, fora mordida por um cachorro que a funcionária costumava abrigar escondido. Estela cuidou da situação com responsabilidade, levou a menina ao hospital, mas escondeu o episódio dos patrões para evitar confusão. Agora, a revelação muda tudo.

A confissão resulta na demissão de Estela. E, embora Julia não tenha noção completa do impacto do que disse, o gesto tem efeitos profundos. Estela, sem emprego e com a mãe recém-falecida, decide partir de vez. No entanto, antes mesmo de chegar a Chiloe, uma ligação muda tudo.

Do outro lado da linha, o segurança da casa dá a entender que algo terrível aconteceu. O filme não mostra diretamente, mas através de imagens simbólicas e cenas intercaladas, entende-se que Julia teria tirado a própria vida, afogada no lago durante a viagem com os pais. A separação repentina de Estela, a única figura de afeto real em sua vida, teria sido o gatilho.

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Tragédias em cadeia

O filme ainda traz outro momento impactante envolvendo o cachorro, Dadu. Em uma das cenas mais tensas, o animal, que havia se tornado um companheiro silencioso de Estela, morre eletrocutado na cerca elétrica da casa. A tragédia ocorre após a patroa tentar expulsá-lo com uma mangueira, em mais um gesto de hostilidade disfarçada de ordem.

Vendo o animal agonizar, Estela decide poupá-lo da dor. Com a arma escondida na casa, ela encerra o sofrimento do cachorro. O ato, embora extremo, simboliza o limite da sua exaustão emocional.

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O retorno que nunca acontece

Ao final, Estela está a caminho de Chiloe, tentando enfim retomar suas raízes. No entanto, ao saber do destino de Julia, ela desce do ônibus. Seu futuro permanece em aberto. A câmera a observa em silêncio, como quem respeita um luto que ainda está se formando. Não sabemos se ela volta, se recomeça, se para. Mas sabemos que algo dentro dela se quebrou de forma irreversível.

Limpa é um retrato cruel, porém honesto, de relações marcadas por desequilíbrios. A personagem principal não é heroína nem mártir, mas uma mulher comum empurrada ao limite. O final pode soar abrupto, mas é justamente essa sensação de perda sem resposta que torna a obra tão poderosa. Afinal, algumas dores não têm explicação.