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Crítica: Tremembé mostra o lado humano e perturbador do presídio mais midiático do país

Série chega ao Prime Video com 5 episódios revelando as dinâmicas de poder dentro do presídio Tremembé

Crítica: Tremembé mostra o lado humano e perturbador do presídio mais midiático do país

A história de Suzane von Richthofen já foi contada muitas vezes, em diferentes formatos e tons, mas nenhuma produção havia se proposto a observar o que veio depois. Tremembé, nova série brasileira do Prime Video dirigida por Vera Egito, parte justamente desse ponto. Aqui, não há crime a desvendar, nem reconstituição para reviver, o foco é o que resta: as relações, os jogos de poder e o desconforto de viver sob o peso da própria reputação.

Logo no primeiro episódio, a série deixa claro esse novo olhar. A trama começa com Suzane em meio a uma rebelião, sequência que funciona como estopim para sua transferência à Penitenciária Doutor José Augusto César Salgado, o presídio de Tremembé. É nesse ambiente, conhecido por abrigar figuras como Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá e os irmãos Cravinhos, que a série constrói sua tensão.

A força e os limites das atuações

Marina Ruy Barbosa entrega aqui uma das melhores atuações de sua carreira. Sua Suzane é fria, calculista, mas nunca caricatural. A atriz consegue recriar trejeitos, olhares e gestos com precisão impressionante, e há um domínio absoluto da linguagem corporal, que traduz mais do que qualquer diálogo.

Nem todas as atuações, porém, alcançam o mesmo nível. Há momentos em que o contraste é perceptível, principalmente em personagens secundários que parecem mais ilustrativos do que vividos. Ainda assim, o conjunto se sustenta, muito por conta da caracterização impecável – o ator que interpreta Alexandre Nardoni, por exemplo, está assustadoramente semelhante ao real.

Estrutura eficiente e abordagem inteligente

Com apenas cinco episódios, Tremembé é concisa e consciente do que quer contar. Cada capítulo se concentra em um crime diferente, mas não para explorá-lo em detalhes. A ideia é mostrar como essas pessoas chegaram até ali, e não por que fizeram o que fizeram. Esse formato mantém o ritmo enxuto e permite que cada episódio funcione quase como um estudo de personagem dentro do mesmo microcosmo.

A estrutura lembra, em certa medida, Orange Is the New Black, mas aqui o humor dá lugar à observação social. O presídio é retratado como uma sociedade em miniatura, com suas regras, hierarquias e alianças voláteis. O resultado é um retrato que combina drama, tensão e um incômodo constante de enxergar humanidade onde o público aprendeu a ver apenas monstruosidade.

Um retrato fiel do presídio dos “famosos”

Grande parte desse realismo vem da base jornalística da série. Tremembé é inspirada nas investigações de Ulisses Campbell, autor de livros sobre os casos Richthofen e Matsunaga. O jornalista teve acesso direto à penitenciária e documentou o dia a dia dos presos, e muitos dos diálogos e situações da série foram retirados de suas anotações.

O próprio Campbell declarou ter ficado impressionado com a fidelidade da ambientação, e isso se reflete na tela. A série reproduz o presídio com detalhes que vão do figurino ao comportamento coletivo dos detentos, transformando o cenário em parte essencial da narrativa. Tremembé é, em certo nível, um “documento ficcional” sobre o sistema carcerário brasileiro.

Um estudo sobre poder, culpa e isolamento

A série nunca tenta gerar empatia por seus personagens, mas também evita demonizá-los. O roteiro adota um olhar quase clínico, observando gestos, silêncios e dinâmicas que revelam o funcionamento daquele ecossistema.

Tremembé mostra que a prisão não é apenas um espaço físico, mas um estado de existência: o confinamento é psicológico, moral e até social. Os personagens estão presos a seus próprios papéis, ao estigma da notoriedade e à vigilância constante da mídia, dos outros presos e de si mesmos.

Um novo tipo de true crime brasileiro

O grande mérito da série é transformar o true crime sem recorrer ao choque fácil. Tremembé prefere observar a ferida a cutucá-la. É um retrato sóbrio, quase perturbador, que se distancia do espetáculo para se aproximar da análise. O resultado é um tipo de desconforto raro, onde o público não assiste para julgar, mas para entender o que sobra de humano após o crime.

Tremembé é, acima de tudo, uma experiência inquietante. É uma série curta, direta e muito bem construída, que dispensa o sensacionalismo e aposta na observação. O realismo das atuações e a precisão dos cenários fazem dela um registro instigante sobre o sistema prisional e sobre a imagem pública de quem se tornou um símbolo nacional de repulsa.

Tremembé estreia nesta sexta-feira (31), no Prime Video.

 
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