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Crítica: 3º episódio de It: Bem-vindos a Derry revela as origens do mal e os segredos enterrados da cidade

O novo capítulo da série da HBO mergulha no passado sombrio de Derry

Crítica: 3º episódio de It: Bem-vindos a Derry revela as origens do mal e os segredos enterrados da cidade

Histórias de origem no terror sempre caminham em uma linha delicada, pois precisam explicar os fatos sem esvaziar o mistério que sustenta o medo. Em Derry, isso significa revisitar uma cidade que já nasceu assombrada, onde cada geração carrega um pedaço de algo que ninguém consegue nomear direito, mas que se manifesta em mortes e segredos mal enterrados.

No caso de It: Bem-vindos a Derry, a série está encarregada de preencher lacunas deixadas por It: A Coisa e Capítulo 2, além de sustentar o fascínio em torno de Pennywise sem transformar o palhaço em mero fan service.

Ao chegar ao terceiro episódio, “Agora Você o Vê”, o projeto entra naquele ponto da temporada em que precisa parar de apenas sugerir e começar a assumir riscos, tanto na construção de mitologia quanto no terror em si.

Neste ponto, Derry se torna o verdadeiro personagem central, e o tempo, um elo que conecta passado e presente. As fronteiras entre o real e o sobrenatural se desfazem, e o episódio transforma lembranças antigas em novos terrores.

Mitologia em alta e o passado de Shaw

“Agora Você o Vê” funciona, antes de tudo, como um mergulho mais profundo na história da cidade e na biografia do General Francis Shaw. O episódio abre em 1908, com o jovem Francis vagando por um parque de diversões perturbador, onde uma palhaça de vestido e balões vermelhos e um “Homem Esqueleto” ajudam a moldar o primeiro contato direto com a entidade que futuramente ele tentará controlar. Ali, o roteiro já deixa claro que o ciclo em Derry é antigo e que a relação do personagem com A Coisa é pessoal, não apenas estratégica.

Mais adiante, já em 1962, vemos o mesmo Shaw, agora general, comandando a Operação Precept com um objetivo que mistura suas ambições em ganhar a Guerra Fria e a superstição enraizada em sua memória. Aqui, ele busca localizar um “recurso” enterrado sob a cidade, algo que o Exército enxerga como arma, mas que o público sabe ser muito pior do que qualquer tecnologia. 

A presença de Rose, dona da loja de antiguidades e amiga de infância do general, reforça esse elo com o passado e acrescenta um olhar indígena e espiritual sobre o terreno onde Derry foi construída, além de introduzir a ideia da “barreira” que faz os moradores esquecerem a cidade quando vão embora.

Nesse mesmo núcleo adulto, o episódio ainda conecta o massacre da Gangue Bradley, o Cadillac encontrado no subterrâneo e relatos antigos em que Pennywise teria sido visto atirando de dentro do carro. A série costura esses acontecimentos para mostrar que a violência local nunca foi apenas humana, pois a entidade sempre esteve infiltrada em momentos de colapso social. 

Dick Hallorann e o núcleo adulto

A presença de Dick Hallorann ganha peso definitivo neste episódio. Usado pelo Exército como espécie de radar psíquico, ele embarca em uma busca aérea ao lado de Leroy Hanlon em direção ao suposto artefato escondido há séculos. Ao tocar o estilingue de Shaw, recuperado daquele encontro em 1908, Dick é lançado mentalmente para o covil subterrâneo de Pennywise, onde enxerga o esconderijo da criatura e, nas sombras, apenas os olhos amarelos que o público já reconhece.

Essa sequência funciona bem porque equilibra tensão e sugestão. O episódio não entrega a figura completa de Pennywise, mas confirma de forma direta que o “poder” que Shaw deseja dominar é o mesmo demônio que surgirá mais tarde para o Clube dos Perdedores. 

Ao mesmo tempo, o roteiro usa Hallorann para amarrar outra camada da mitologia kingiana, já que o personagem também aparece em O Iluminado. Pequenos detalhes, como a conversa tensa no jantar na casa dos Hanlon e a forma como o Major é descrito como alguém que quase não sente medo, reforçam o foco da série na psicologia desses adultos que lidam com algo para o qual não foram treinados.

O episódio ainda reserva espaço para brincadeiras visuais específicas, como a participação de Andy Muschietti como pianista no circo e a aparição de duas gêmeas de vestido azul no número bizarro da tenda, aludindo diretamente a O Iluminado. Essas inserções funcionam como acenos para fãs, mas também ajudam a consolidar um clima estranho, em que Derry parece ser um ponto de convergência de diferentes horrores dentro do universo de King.

As crianças e o terror visual

Enquanto o eixo adulto avança com coesão, o núcleo juvenil sofre com decisões menos felizes. Lily, que havia sido internada em Juniper Hill após denunciar o que viu no cinema, é liberada de forma rápida e sem maior aprofundamento sobre o impacto desse processo. A personagem retorna à rotina escolar e, quase imediatamente, volta a liderar o grupo de jovens – Ronnie, Will e Richie –, agora com a missão de provar a inocência do pai de Ronnie e, de quebra, expor a presença da entidade.

O plano do quarteto é realizar um tipo de ritual no cemitério, tentando registrar assombrações em fotografias. A ideia, em teoria, tem força dramática, pois coloca as crianças na linha de frente enquanto os adultos se dividem entre negação e instrumentalização do medo. 

Na prática, porém, a sequência principal desse arco se mostra desigual em comparação ao que a série vinha construindo. A perseguição de bicicleta pelos fantasmas dos amigos mortos lembra mais um terror adolescente dos anos 2000 do que o clima opressivo associado ao nome It, com efeitos digitais que enfraquecem o cenário promissor de um cemitério à noite iluminado por velas.

Esse uso intensivo de CGI dilui a sensação de perigo. Os espíritos aparecem de forma genérica, o movimento é excessivamente artificial e a montagem transforma a cena em algo que remete a referências como Stranger Things, justamente um paralelo que Bem-vindos a Derry parecia evitar nos episódios anteriores. O resultado é um clímax que não conversa com o peso da narrativa adulta, criando uma quebra de tom perceptível dentro do próprio capítulo.

O novo Clube dos Perdedores

A formação desse “Clube dos Perdedores 2.0” também enfrenta problemas de ritmo. O episódio precisa reorganizar o tabuleiro infantil depois do massacre do cinema, mas faz isso de maneira acelerada, priorizando a necessidade de montar um grupo em vez de desenvolver com calma o trauma e as relações de cada um. 

Subtramas como o interesse amoroso de Will por Ronnie e de Richie por Marge surgem quase como notas laterais, sem tempo suficiente para ganhar densidade. A sensação de repetição de estrutura – crianças se reunindo para enfrentar algo que os adultos ignoram – aparece sem que a série ofereça uma camada nova que justifique revisitar esse formato tão cedo.

Ainda assim, o desfecho do arco juvenil guarda um detalhe importante para a narrativa: a fotografia borrada que registra algo muito próximo da palhaça vista por Shaw em 1908. Esse tipo de vislumbre, que não entrega a figura por completo, mas confirma a presença da entidade, funciona melhor do que toda a perseguição anterior, reforçando a ideia de que o terror sugestivo continua sendo o ponto forte do material.

Derry como personagem e o avanço da temporada

Se o núcleo infantil deixa a desejar, um ponto em que o episódio se destaca é na forma como trata a própria cidade. A “barreira”, mencionada por Shaw e ilustrada por sua perda de memória ao deixar Derry, amarra Bem-vindos a Derry aos acontecimentos de It: Capítulo 2, quando os membros do Clube dos Perdedores adultos também não lembram do passado até retornarem. Essa condição transforma o lugar em algo mais do que cenário, quase uma entidade auxiliar que protege o segredo de Pennywise ao fazer com que os sobreviventes esqueçam.

O resgate do massacre da Gangue Bradley e a confirmação de que alguém viu a criatura “em uma de suas formas” dentro do Cadillac reforçam a percepção de que, a cada ciclo, a cidade foi permitindo que a violência se repetisse de maneiras diferentes. O episódio 3, assim, funciona como uma espécie de mosaico histórico que deixa claro que o que está em jogo é mais profundo do que um caso isolado de desaparecimentos ou uma série de aparições sobrenaturais recentes.

Um episódio dividido em dois mundos

O terceiro episódio de It: Bem-vindos a Derry termina com a sensação de que a série sabe exatamente o que fazer quando olha para os adultos e para a mitologia, mas ainda tateia quando depende do ponto de vista das crianças.

O passado de Shaw, a dinâmica com Rose, o uso de Hallorann e o diálogo com a obra mais ampla de Stephen King formam um núcleo consistente, em que o terror psicológico e a ideia de destino cíclico em Derry aparecem com clareza.

No entanto, o capítulo perde força quando desloca o foco para o cemitério e para as interações entre o núcleo infantil, onde o excesso de efeitos digitais e a encenação da perseguição diminuem a gravidade da situação que a própria série construiu nos episódios anteriores. A cidade continua assustadora, a entidade segue influente, mas o medo não se sustenta em todas as frentes com a mesma qualidade.

Nota: 7,0/10

 
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