
Imagine um bombeiro que, em vez de apagar incêndios, os provoca. Agora imagine que ele ainda investigava os próprios crimes. Parece coisa de filme, mas é real. Cortina de Fumaça, nova série da Apple TV+, mergulha nesse universo sombrio e revela que, por trás da ficção, há uma história tão absurda quanto fascinante.
E o que torna tudo ainda mais impactante é saber que o protagonista da trama foi inspirado em um criminoso de verdade, cujos atos deixaram cicatrizes profundas nos Estados Unidos.
Um bombeiro que virou o pior pesadelo da Califórnia
A história por trás de Cortina de Fumaça foi inspirada nos crimes reais de John Leonard Orr, um homem que parecia acima de qualquer suspeita. Capitão do corpo de bombeiros e investigador de incêndios, ele atuava nos arredores de Los Angeles nos anos 80 e 90. Mas, por trás da farda, escondia-se um incendiário em série.
Durante quase uma década, Orr ateou fogo em diversos locais, incluindo lojas, matas e até residências, deixando um rastro de destruição que totaliza cerca de 2 mil incêndios. Em um dos casos mais trágicos, em 1984, quatro pessoas morreram durante um incêndio provocado por ele em uma loja na cidade de South Pasadena. Orr conseguia estar sempre perto das investigações, o que lhe dava a vantagem de manipular informações e esconder rastros.
O roteiro real que virou série e até livro
A trama de Cortina de Fumaça, criada por Dennis Lehane (o mesmo de Black Bird), é ficcional, mas se alimenta intensamente das ações de John Orr. Na série, Taron Egerton vive Dave Gudsen, um investigador que ajuda a desvendar incêndios em série. O problema? Ele mesmo é o responsável por alguns deles, algo que o público só descobre com uma reviravolta no segundo episódio.
A semelhança com Orr vai além da profissão. Assim como o criminoso da vida real, Dave escreve um livro supostamente baseado em seus casos, mas que carrega evidências de sua própria culpa. O que poucos sabem é que John Leonard Orr também escreveu uma obra ficcional, chamada Points of Origin, onde descreve crimes praticamente idênticos aos que cometeu. O manuscrito foi usado como prova no tribunal.
Quando a obsessão por fogo ultrapassa todos os limites
A investigação que levou à queda de Orr foi digna de um filme policial. Após anos sem pistas concretas, autoridades colocaram rastreadores em seus veículos e começaram a conectar os pontos. Em 1991, ele finalmente foi preso. Mas o mais perturbador veio depois: além dos crimes já conhecidos, descobriu-se que ele havia documentado em detalhes seus atos em sua própria obra literária.
Mesmo diante das evidências, Orr insistiu em sua inocência e chegou a dizer que tudo não passava de uma “infeliz coincidência”. Mas os tribunais pensaram diferente. Em 1992, ele foi condenado por três crimes de incêndio criminoso. E em 1998, uma nova condenação: 21 incêndios e quatro assassinatos. A pena? Prisão perpétua sem direito à liberdade condicional.
Onde está John Leonard Orr hoje?
John Leonard Orr ainda está vivo e cumpre sua sentença na Prisão Estadual de Centinela, na Califórnia. Apesar de algumas penas terem sido reduzidas, sua sentença de prisão perpétua segue em vigor. Sua história já inspirou documentários, podcasts e programas de TV, sendo o mais recente o podcast Firebug, que serviu como base inicial para a criação de Cortina de Fumaça.
Esse podcast, aliás, reforça o fascínio público por figuras que levam vidas duplas, especialmente quando envolvem traição à confiança pública, como no caso de um bombeiro que virou incendiário. Orr talvez jamais imaginasse que seu nome se tornaria um símbolo de perversidade silenciosa.
Diferenças entre a série e a realidade
Embora o personagem de Taron Egerton seja claramente inspirado em Orr, há diferenças importantes. A série se passa nos dias atuais, com tecnologias modernas de investigação, o que traz novos elementos para a trama. Além disso, Cortina de Fumaça se permite explorar nuances psicológicas mais profundas, criando um personagem com traumas e motivações complexas.
Outro diferencial é a maneira como a narrativa é construída. Na vida real, a descoberta sobre Orr demorou anos para acontecer. Já na série, o público é surpreendido logo no segundo episódio, o que muda completamente a perspectiva da história. É como se o espectador estivesse sendo cúmplice de um segredo sujo e irresistivelmente intrigante.
A força de Taron Egerton no papel principal
Egerton, que já brilhou em obras como Rocketman e Kingsman, entrega uma performance envolvente e carregada de tensão. Sua presença magnética ajuda a tornar Cortina de Fumaça uma das melhores estreias recentes da Apple TV+. Ele consegue fazer o público simpatizar com um personagem que, no fundo, é um vilão e esse é um talento raro.
A parceria entre o ator e o criador Dennis Lehane já havia dado certo em Black Bird, e agora volta com força total. A química entre roteiro, direção e atuação resulta em um thriller envolvente que, embora baseado em crimes reais, consegue criar uma atmosfera original, desconfortável e extremamente viciante.
Cortina de Fumaça está disponível no AppleTV+.