Explicamos

Apocalipse de Pluribus é explicado: por que todos na Terra estão tão felizes?

A chegada de uma consciência coletiva molda vidas individuais e redefine a liberdade

Pluribus
Pluribus

No coração de Pluribus, o mundo foi tomado por uma felicidade repentina e generalizada. A série se inicia com a personagem Carol vendo quase toda a humanidade imersa em uma alegria incomum, fruto de uma conexão mental que faz com que “eu” deixe de existir e vire “nós”.

Nas primeiras cenas, o enredo revela que o gatilho dessa mudança foi um sinal proveniente do espaço exterior, decodificado e transformado em vírus (ou algo parecido) que se espalhou como um fluido social. O que parecia ser um presente de paz, na verdade mascara uma lógica biológica e alienígena: a humanidade agora responde por um impulso coletivo, motivado pela aprovação e pelo bem-estar alheio.

Pluribus

A gênese da “felicidade global”

Na trama de Pluribus, tudo começa com astrônomos que captam uma emissão a 600 anos-luz de distância, composta por quatro tons que correspondem a nucleotídeos: guanina, uracila, adenina e citosina. Os cientistas acreditaram tratar-se de uma mensagem extraterrestre criptografada, mas logo perceberam que se tratava de um roteiro para uma sequência de RNA. Após 14 meses de experimentação e testes em animais, a humanidade abriu o flanco para o que viria a ser chamado de “Joining”: a integração coletiva.

A disseminação da nova condição humana acontece por meio de contato direto: beijar alguém, gotículas de saliva, situações corriqueiras que agora ativam o mecanismo da junção. O contágio provoca estados de catatonia imediata em muitos, e mais de 800 milhões de pessoas morreram no processo, seja por choque, quedas, acidentes. Quem sobreviveu não é mais apenas quem era e o indivíduo se fundiu à massa, ao “todos”.

A lógica da mente-colmeia

O mecanismo que rege esse novo mundo não é plenamente explicado, mas o funcionamento se dá por meio de uma consciência coletiva que não distingue corpos, nacionalidades ou profissões. Um menino de nove anos pode, simultaneamente, compartilhar pensamentos com um primeiro-ministro, um carteiro ou um médico. Basicamente, a humanidade virou uma rede psíquica universal.

A mente-colmeia, como é chamada na narrativa, não se considera alienígena, embora se baseie em uma tecnologia ou impulso de fora da Terra. O que a move é uma pulsão biológica: não poder dizer “não” aos outros, pois seu funcionamento está atrelado à felicidade coletiva. Quando Carol grita, agride ou despreza alguém da colmeia, isso reverbera e as outras consciências congelam. Esse antagonismo revela o perigo oculto sob a utopia da alegria universal.

Ética, autonomia e a erosão da individualidade

Apesar de aparente “paz mundial”, a série explora fortes dilemas éticos. Os membros da colmeia recusam-se a matar animais vivos, alimentando-se com alimentos já processados ou mortos. Mas quando se trata de violência entre humanos imunes, a colmeia não intervém, pois seu objetivo não é punir, e sim perpetuar o bem-estar coletivo.

Isso abre caminho para abusos graves. Um dos imunes explora a colmeia para satisfazer caprichos sexuais, viagens de luxo, poder absoluto, e tudo sem resistência, dado que a colmeia não recusa pedidos. A série questiona se tais atos podem ser considerados consensuais, já que a biologia coletiva condena a palavra “não” e, portanto, limita o livre arbítrio.

Por que Carol não foi afetada?

Entre os poucos não afetados (13 no total, contando Carol), ainda não se sabe exatamente o motivo. A série sugere que talvez sua imunidade seja aleatória, mas o próprio enredo utiliza a experiência prévia de Carol (autora de romances heterossexuais sendo uma mulher lésbica) como metáfora: ela viveu uma vida escondendo-se, sendo feliz de fachada. Agora, luta por retomar sua singularidade.

Carol passa a encarnar a resistência à transformação definitiva da humanidade em “nós”. Embora tenha perdido sua identidade antes, agora tenta preservá-la contra um sistema que entende como “corrigir” as pessoas para que façam parte da colmeia. Ela se empenha em proteger a individualidade de cada ser humano, mesmo que esteja sozinha nessa missão.

O significado do “apocalipse feliz”

O que vemos em Pluribus não é exatamente o fim do mundo no sentido tradicional, mas o término de um mundo centrado no indivíduo. A conquista da colmeia redefine a liberdade como conformidade e a felicidade como sincronização. É um apocalipse silencioso onde a alegria universal se torna a forma de dominação.

A série provoca reflexão sobre a natureza da felicidade e questiona se ela realmente vale quando imposta ou compartilhada sem distinção. A utopia da colmeia tem custo: ao tornar todos felizes, ela anula o que nos torna humanos. É nesse ponto que Carol faz frente ao sistema, defendendo que a vida plena inclui também a imperfeição.

Pluribus está disponível na AppleTv.