Julian Fellowes construiu seu nome explorando as dinâmicas entre classe, riqueza e tradição em diferentes contextos históricos. Enquanto Downton Abbey mergulha no cotidiano da aristocracia inglesa do século XX, A Idade Dourada revela uma realidade distinta, marcada pela ideia do progresso individual.
A terceira temporada da série da HBO Max destaca essa diferença ao desenvolver a trajetória de Jack Trotter, um criado com ambições que jamais seriam possíveis no universo britânico de Downton.
Jack é um jovem de origem humilde que trabalha como lacaio na casa dos Van Rhijn. Diferente de outros personagens que se conformam com o lugar que ocupam, ele vislumbra a possibilidade de mudar de vida por mérito próprio.
Ao criar e patentear um novo modelo de despertador, Jack se aproxima do chamado sonho americano e tenta abrir caminho para uma nova posição social.
O sonho americano no centro da narrativa
A história de Jack ganha força ao se aliar à figura de Larry Russell, herdeiro com valores progressistas e disposição para ajudar o colega a divulgar a invenção. Mesmo que o negócio ainda não tenha gerado lucro, a narrativa aposta na esperança de que Jack possa conquistar riqueza e independência em breve.
Esse arco reforça a ideia de que, nos Estados Unidos do século XIX, o sucesso podia ser alcançado por meio de trabalho e criatividade, não apenas por herança. Jack chega a dizer para Adelheid que, em sua terra, não é preciso viver da mesma forma que os pais.
Esse pensamento contrasta com os valores de Downton Abbey, onde o status social era determinado quase exclusivamente pelo nascimento. A mobilidade de Jack é simbólica: ele deseja não apenas deixar o serviço, mas construir um futuro como patrão.
Embora Downton também tenha retratado personagens que enriqueceram de forma inesperada, os meios eram bem diferentes. Matthew Crawley herdou a fortuna dos Crawley após a morte do herdeiro no Titanic, e Bertie Pelham se tornou marquês após o falecimento de um primo.
Essas mudanças foram fruto do acaso e da linhagem, não de decisões individuais ou empreendedorismo e. em ambos os casos, a riqueza veio acompanhada de obrigações aristocráticas e adaptação a novos costumes.
A conquista era passiva, resultado de estruturas sociais rígidas e pautadas por sobrenomes e títulos. Jack, por outro lado, quer prosperar por conta própria, com base em um invento seu e na confiança que deposita no próprio trabalho.
Um contraste que enriquece o universo de Fellowes
Ainda que ambas as séries tratem das elites e de seus bastidores, a série americana encontra espaço para refletir sobre meritocracia, inovação e ambição pessoal. Isso dá ao público um tipo de envolvimento emocional diferente.
Se em Downton o destino era moldado por sobrenomes, em A Idade Dourada ele pode ser alterado por ideias e esforço. Essa diferença torna a nova temporada ainda mais relevante dentro da obra de Fellowes, ampliando seu repertório sobre classes sociais.
Com um pé no passado e outro na esperança de um futuro melhor, Jack Trotter simboliza uma virada de chave para a série. E enquanto a venda do despertador não se concretiza, o que já está em jogo é a chance de contar uma história que “só poderia existir na América”.