
A relação entre literatura e cinema sempre foi meio conturbada, especialmente quando uma adaptação decide se afastar de sua fonte original. Muitas vezes, esse distanciamento pode gerar críticas, mas em outras ocasiões é justamente o que torna a obra cinematográfica única.
Paul Thomas Anderson, que acaba de lançar Uma Batalha Após a Outra, filme estrelado por Leonardo DiCapro, se encontra nesse segundo caso com seu mais novo trabalho que adapta o livro de Thomas Pynchon.
O diretor já havia transformado Inherent Vice em filme, mas a ambição sempre foi levar Vineland para as telas. A questão é que Pynchon é conhecido por tramas densas, cheias de camadas políticas e personagens excêntricos, elementos que PTA trouxe para seu filme. No entanto, para ele, a obra estaria desatualizada para os tempos atuais e poderia ser melhor aproveitada.
De Vineland a Uma Batalha Após a Outra
Ao decidir adaptar Vineland, Anderson tomou um caminho ousado e, em vez de seguir fielmente a trama, optou por extrair apenas a essência: temas, atmosferas e conflitos políticos. O resultado foi Uma Batalha Após a Outra, um filme que pode ser visto muito mais como uma reinvenção do que uma adaptação literal.
O próprio diretor já afirmou em entrevista que “roubou” as partes que mais lhe interessavam para moldar uma narrativa própria. Essa escolha se mostra acertada porque permite que o longa dialogue diretamente com o presente. Enquanto Vineland está preso aos anos 1980, período marcado pelo governo Reagan, Uma Batalha Após a Outra traz sua crítica para o nosso tempo, refletindo ameaças políticas e sociais que permanecem atuais.
Atualizando a crítica política
No livro, a figura autoritária é Brock Vond, símbolo da Guerra às Drogas. Já no filme, essa função é assumida pelo Coronel Lockjaw, vivido por Sean Penn, cuja obsessão não está mais ligada às drogas, mas à imigração. A perseguição aos estrangeiros, somada ao apoio de elites que buscam um país “puro e seguro”, transforma o vilão em reflexo direto de tensões políticas contemporâneas.
Essa mudança de foco permite que Anderson explore debates que vão além do texto original, abordando o racismo estrutural, crescimento do autoritarismo e manipulação do poder por grupos econômicos. É uma ideia que conecta o cinema de hoje às críticas que Pynchon já fazia décadas atrás, ao tempo em que atualiza as abordagens.
Revolução e resistência
Outro ponto de ruptura está nos grupos revolucionários. Em Vineland, a resistência é representada pelo coletivo 24fps, ligado ao ativismo cultural. No filme, surge a organização French 75, que carrega uma bandeira global, incentivando liberdade de escolha e o fim das fronteiras. O lema “Free borders! Free choices! Free from fear!” (“Fronteiras livres! Escolhas livres! Livre do medo!”) resume a força do discurso que guia os personagens.
Essa diferença mostra como Anderson buscou expandir o alcance da mensagem, tornando-a mais abrangente e diretamente relacionada ao cenário político mundial.
A mesma essência em histórias diferentes
Ainda que os personagens, os contextos históricos e os antagonistas tenham mudado, a essência permanece semelhante. Tanto Vineland quanto Uma Batalha Após a Outra tratam da luta contra sistemas que tentam silenciar vozes dissidentes e manter o poder concentrado nas mãos das elites. São histórias que recusam a neutralidade, colocando o espectador diante da escolha clara de estar ao lado da opressão ou da resistência.
Anderson já disse em entrevista que, em duas décadas, percebeu que os dilemas políticos nunca saem de moda, eles apenas mudam de rosto. É justamente essa percepção que faz do filme uma obra tão relevante, porque coloca em evidência que as batalhas sociais se repetem, ainda que em contextos diferentes.
Ao reinventar Vineland, Anderson conseguiu equilibrar a força da literatura de Pynchon com um olhar cinematográfico que conversa com os dias atuais. A combinação deu origem a uma obra que não só se sustenta por conta própria, como também amplia o debate iniciado pelo autor.
Uma Batalha Após a Outra está em cartaznos cinemas.