
Em The Front Room, a estreia dos irmãos Eggers na direção, o terror não vem da presença sufocante de uma figura materna que insiste em não desaparecer.
O longa, baseado em um conto de Susan Hill, mergulha em um embate psicológico entre gerações e deixa o espectador se perguntando até onde é preciso ir para garantir um futuro em paz.
Depois de uma exibição discreta nos cinemas, o filme da A24 chegou ao catálogo do Prime Video no último sábado, despertado curiosidade pelo desfecho controverso e sombrio.
A narrativa gira em torno de Belinda, uma professora universitária grávida, que vive com o marido Norman e se vê obrigada a acolher Solange, a madrasta dele, em troca de uma possível herança. A convivência, no entanto, rapidamente se transforma em uma disputa perigosa.

Fantasmas reais ou apenas projeções?
Durante boa parte do filme, paira no ar a sensação de que Solange poderia ter alguma natureza sobrenatural. Sua fé extremista, os elementos religiosos que preenchem a casa e o comportamento invasivo de seus colegas de congregação criam um clima carregado.
No entanto, o roteiro opta por não seguir esse caminho abertamente. As cenas mais inquietantes são retratos do ponto de vista de Belinda e reforçam a ideia de que o verdadeiro terror é humano e cotidiano.
Solange representa um tipo de opressão silenciosa e sistemática. Sua tentativa de assumir o papel de matriarca, inclusive durante o momento de amamentação, transforma rituais íntimos em disputas simbólicas. A presença dela se torna quase uma alucinação, mesmo sem recorrer ao sobrenatural.

Ciclos de abuso e a força do passado
A tensão entre Solange e Norman sugere que a relação entre eles sempre foi marcada por violência emocional. Quando criança, ele foi alvo de tentativas da madrasta de substituí-lo e moldá-lo conforme sua fé.
Já adulto, o reencontro com ela reabre feridas mal cicatrizadas. Aos poucos, ele se torna submisso novamente, apagando sua autonomia para evitar conflitos, e é Belinda quem percebe o padrão.
Além disso, desde os primeiros momentos, o roteiro sugere uma camada racial no embate entre as duas, mas a confirmação acontece com a revelação de que a idosa é membro das “Filhas da Confederação”, um grupo associado à defesa do legado escravocrata.
Solange não apenas trata a nora com desprezo, como se refere a ela por estereótipos ofensivos e tenta reduzir sua posição a de servidão, com Belinda sendo constantemente lembrada de que aquele espaço não é dela.

O clímax
No clímax do filme, Belinda mata Solange sufocada com um travesseiro. A cena não é mostrada diretamente, mas o roteiro sugere o ato como uma resposta à escalada de abusos que Solange vinha cometendo.
A gota d’água é o momento em que a idosa morde a neta recém-nascida, tentativa de marcar domínio mesmo sobre a nova geração. A partir daí, a protagonista convence o marido de que a madrasta representa uma ameaça real.
Com a morte de Solange, Belinda enfim retoma o controle da própria vida. Ela consegue um novo emprego, muda de casa e se prepara para ter outro filho com Norman.
A cena final mostra a personagem cantando, quase vitoriosa. O filme trata esse desfecho como um acerto de contas necessário, colocando a decisão de Belinda como justificável dentro do contexto da narrativa.