É raro ver uma série que use o domínio técnico de forma tão crua e impactante. Quando isso acontece, a experiência deixa de ser apenas um entretenimento e se torna algo que nos consome por completo, fazendo com que o tempo pareça congelar diante da tela.
Embora o público esteja mal acostumado com a linguagem acelerada e as fórmulas consagradas, de tempos em tempos surge uma obra que parece fugir por completo dessas amarras. Essa é a sensação que muitos tiveram ao assistir Adolescência da Netflix, uma minissérie filmada em plano-sequência que chegou ao streaming de forma despretenciosa, mas acabou se tornando o maior sucesso do mês.
Sem marketing pesado ou grandes estrelas em destaque, a série se destacou pelo seu formato audacioso, com episódios inteiros rodados em uma única tomada, colocando o espectador dentro da cena, quase como testemunha dos acontecimentos. A imersão é total — e, para quem ficou marcado por essa experiência, há um outro título do mesmo diretor que merece atenção.
O Chef: o filme que antecedeu o sucesso da série
Lançado em 2021, antes de Adolescência, O Chef é o longa-metragem que apresentou o diretor Philip Barantini como um nome a ser observado. Também filmado em uma única tomada, o filme acompanha uma noite caótica em um restaurante londrino de alto padrão, liderado pelo chef Andy Jones, interpretado por Stephen Graham.
Diferente da série, que acompanha um adolescente acusado de assassinato, O Chef mergulha no universo da gastronomia e revela os conflitos pessoais, tensões profissionais e a fragilidade emocional dos personagens ao longo de uma única noite.
Além de Barantini, Stephen Graham é o outro elo entre essas duas obras. Em Adolescência, ele interpreta o pai do protagonista, um homem que tenta entender os acontecimentos que envolvem o filho. No filme, seu papel é ainda mais central: ele carrega o longa inteiro nas costas, transitando entre o profissionalismo exigido pelo ambiente do restaurante e os rompantes de desespero causados por sua vida pessoal.
Uma abordagem que vai além da estética
Enquanto outros diretores utilizam o plano-sequência como elemento pontual, muitas vezes artificialmente estendido ou disfarçado por cortes ocultos, Barantini se compromete com a proposta de forma integral. Tanto em Adolescência quanto em O Chef, não há respiros ou retomadas: tudo acontece em tempo real, sem cortes, exigindo precisão absoluta da equipe, dos atores e do próprio roteiro.
Em ambos os casos, a ausência de cortes ajuda a intensificar a experiência do espectador, tornando cada cena mais urgente e cada diálogo mais carregado de significado. A tensão das produções não vem de trilhas sonoras explosivas ou grandes reviravoltas, mas do acúmulo de pequenas pressões e do desgaste emocional constante.
A maior diferença entre elas, no entanto, está no foco narrativo: enquanto a série se concentra na real fragilidade dos jovens diante de uma cultura misógina e cruel, o filme joga luz sobre a deterioração emocional de um homem adulto com uma vida desmoronando em ritmo acelerado.
Os temas são distintos, mas o sentimento que permanece ao final é o mesmo: exaustão, empatia e um certo incômodo difícil de explicar. Barantini, por sua vez, é alçado para uma visibilidade merecida por seu estilo e qualidade como diretor.
O Chef está no Prime Video, disponível para aluguel por R$6,90 ou compra por R$14,90. Além disso, o filme está incluso no catálogo do Filmelier+, também dentro do aplicativo do Prime.