Nem todo vencedor do Oscar é unanimidade e, às vezes, a estatueta vira tem momentos polêmicos. Quem diria? Ao lado de obras inesquecíveis, Hollywood também coroou filmes que hoje soam problemáticos.
Mas isso não é tudo… rever esses campeões polêmicos é encarar o espelho da indústria: o que a Academia celebrou em cada época e o que preferiu ignorar. Entre nostalgia e desconforto, reunimos 10 vitórias do Oscar que seguem acendendo debates.
Ritmo Louco (1936)
Astaire e Rogers em alta voltagem, canção vencedora do Oscar e coreografias impecáveis. Contudo, Ritmo Louco guarda um número problemático: Bojangles of Harlem, com blackface. Homenagem ou estereótipo? Rever o clássico exige reconhecer que humor e virtuosismo coexistem com imagens racistas que ferem até hoje.
A polêmica abre conversa maior: como enquadrar obras de outro tempo sem apagar danos simbólicos? Avisos de contexto, curadoria crítica e material educativo ajudam, mas não resolvem tudo. O legado artístico permanece; a ferida histórica também. O desafio é conviver com a contradição sem anestesia.
Preparem os Lenços (1978)
Comédia francesa vencedora do Oscar internacional, Preparem os Lenços envelheceu muito mal: trama envolve relação sexual entre mulher adulta e menino de treze anos. À época, o foco crítico mirou a objetificação feminina; hoje, o centro da indignação é o abuso infantil romantizado como excentricidade.
O caso expõe mudanças reais no olhar público contemporâneo. Rever a obra implica discutir consentimento, responsabilidade de representação e limites do humor sexual. Entre prêmios, risos desconfortáveis e perplexidade, sobra aprendizado: arquivar sem contextualizar é anestesia; confrontar é amadurecer, especialmente quando a arte fere.
O Tambor (1979)
Vencedor do Oscar de Filme Internacional, O Tambor acompanha Oskar, garoto que decide não crescer na guerra. A polêmica explodiu porque o ator infantil foi colocado em situações sexualizadas, incluindo cenas com uma adulta. Resultado: acusações de pornografia infantil, cortes e proibições em vários lugares.
Ainda hoje, o filme é discutido como estudo de alegoria política versus limite ético. Para alguns, a ousadia justifica o desconforto; para outros, a proteção de menores deveria ter prevalecido. Entre prêmios, processos e versões cortadas, ficou pergunta incômoda: até onde a arte pode ir?
Pocahontas (1995)
Com trilha e canção premiadas, Pocahontas parecia avanço por centralizar personagens indígenas e criticar colonizadores. A releitura histórica, porém, romantiza encontros violentos, apaga coerções e reescreve idades. A distância entre fantasia e fatos levanta dilemas: podemos amar a animação reconhecendo que encanto camufla feridas reais?
Rever hoje implica contextualizar violações sofridas por mulheres indígenas na colonização e entender poder de mitos românticos em narrativas. A obra tem méritos artísticos; a crítica pede honestidade histórica. Entre melodias inesquecíveis e silêncios incômodos, fica o convite: encarar a beleza sem varrer cicatrizes.
Meninos Não Choram (1999)
Drama biográfico sobre Brandon Teena, homem trans assassinado, rendeu Oscar a Hilary Swank e trouxe violência transfóbica ao centro do mainstream. A polêmica: protagonismo de atriz cis, escolhas linguísticas e encenação, além de reclamações de retratados reais. Representatividade e autoria entraram em rota de colisão.
Com o tempo, a recepção mudou: Meninos Não Choram abriu portas para a pauta, mas virou símbolo das ausências. Hoje, o debate pede atores trans em papéis trans, consultoria comunitária e equipe diversa. O impacto permanece, porém acompanhado da pergunta: quem narra e quem é narrado?
Memórias de uma Gueixa (2005)
Três Oscars técnicos coroaram o requinte visual, enquanto a geopolítica incendiou bastidores: atrizes chinesas interpretando gueixas reacenderam tensões históricas sino-japonesas. A China vetou o lançamento e Zhang Ziyi foi acusada de “trair” o país. Entre etiqueta, trauma e espetáculo, a beleza virou campo minado diplomático.
A discussão ultrapassa escalação: há críticas à simplificação cultural e ao olhar sobre tradições japonesas. Rever hoje Memórias de uma Gueixa exige reconhecer sensibilidades, evitar generalizações e valorizar vozes locais. O impacto estético permanece; o desconforto, também. É possível apreciar o visual sem ignorar o contexto que o fere.
Quem Quer Ser um Milionário? (2008)
O fenômeno global arrebatou oito Oscars com romance resiliente ambientado nas favelas de Mumbai. O elogio virou controvérsia: acusações de “poverty porn”, dúvidas sobre cuidado com crianças no elenco e debate sobre quem lucra ao transformar dores coletivas em tragédia exportável. Sucesso, porém desconfortavelmente universal.
Anos depois, o próprio diretor reconheceu aprendizados e limites, acenando para práticas mais responsáveis. Quem Quer Ser um Milionário? segue também envolvente, mas hoje pede olhar crítico: participação local real, repartição de benefícios e narrativas que não reduzam personagens a sofrimento decorativo. Dá para emocionar sem criar um visão estereotipada , certo?
Um Sonho Possível (2009)
O Oscar para Sandra Bullock embalou um drama “inspirador” sobre Michael Oher, mas o próprio ex-jogador contestou a narrativa. Acusações de distorção biográfica e a leitura de “salvador branco” dominaram o pós-vitória em Um Sonho Possível. Entre aplausos e ações judiciais, ficou a sensação de conforto vendido como progresso.
O caso escancara dilemas de Hollywood ao filmar desigualdades: quem tem voz, quem vira lição, quem lucra com a tragédia. Histórias reais pedem rigor crítico e multiplicidade de perspectivas. Sem isso, a emoção comovente vira atalho narrativo e reforça hierarquias que o cinema deveria questionar.
Green Book: O Guia (2018)
Vitória em Melhor Filme coroou um road movie amistoso sobre amizade interracial, mas Green Book virou sinônimo de conciliação simplista. A família de Don Shirley contestou retratos; críticos apontaram viés de “salvador branco”. A sensação: palatável para votantes, tímido diante de propostas desafiadoras daquele ano.
O caso virou atalho didático para discutir autoria e perspectiva: quem narra a experiência negra? O filme funciona como drama muito agradável, mas falha ao driblar complexidades. Entre risos, aprendizado e jantares natalinos, sobra um conforto que perfuma desigualdades estruturais, e agrada a Academia.
Emilia Pérez (2024)
Musical sobre narco que transiciona para nova identidade, Emilia Pérez dividiu plateias entre ousadia e caricatura. No Oscar, brilhou em canção e coadjuvante; fora dele, críticas a estereótipos do México e representações trans controversas. A campanha ainda enfrentou postagens antigas da protagonista, reacendendo debates.
A controvérsia escancara fraturas: quando a sátira musical atravessa fronteiras, o riso pode virar ruído. Representações pedem escuta local e participação comunitária. Entre hits dançantes e dores históricas, fica sensação agridoce de um fenômeno global que conversa com o presente, mas pisa em calos profundos.