Luta de Classes, longa de Spike Lee que estreiou no Apple TV+, deixou fãs divididos entre emoção, reflexão e choque. A história, inspirada no clássico japonês High and Low de Akira Kurosawa, mistura suspense policial com drama social e música, entregando uma conclusão que não apenas fecha o arco dos personagens, mas também lança críticas afiadas ao mundo em que vivemos.
O que acontece nos minutos finais
Na reta final, David King (vivido por Denzel Washington) finalmente confronta Yung Felon (interpretado por A$AP Rocky), o aspirante a rapper responsável pelo sequestro. O encontro também é simbólico: de um lado, o magnata da música que construiu fortuna e perdeu sua essência; do outro, o jovem que sente ter sido ignorado e que vê no crime uma forma de ser ouvido.
Felon acredita que, após ser preso e ganhar notoriedade, pode convencer David a lançar uma parceria explosiva, uma faixa capaz de gerar milhões. Mas o que parecia o clímax de uma negociação acaba em uma recusa dura. David rejeita a proposta, deixando claro que não vai se vender mais uma vez.
Essa negativa muda todo o tom do final de Luta de Classes: não é sobre dinheiro, mas sobre reconectar-se com o que realmente importa, a música como arte e não como produto.
A decisão de David King e o recado por trás disso
Durante boa parte do filme, David age movido pelo medo de perder status e riqueza. Sua empresa está em risco, os sócios não são confiáveis e a pressão da indústria o sufoca. O sequestro de seu filho funciona como gatilho para ele encarar a verdade: estava mais preocupado com cifras do que com a paixão que o trouxe até ali.
No último ato, ao dizer “não” para Yung Felon, David prova a si mesmo que mudou. Ele não aceita o caminho fácil, o hit milionário sem alma. Esse gesto representa crescimento pessoal e profissional: um retorno à essência, à música que emociona, em vez de apenas vender.
É um recado direto de Spike Lee: o sucesso sem propósito é vazio, e a verdadeira riqueza está naquilo que nos conecta com os outros.
O papel de Sula e a importância da música no desfecho
Quem rouba a cena é Sula, personagem de estreia da cantora . Apresentada pelo filho de David, ela simboliza o futuro, jovem, autêntica e talentosa. Ao se emocionar com sua performance crua e verdadeira, David encontra aquilo que tinha perdido: a chama artística.
Não é à toa que a canção de Sula dá nome ao filme: Highest 2 Lowest. O título funciona como metáfora da jornada de todos os envolvidos, do luxo ao caos, do ego ao reencontro com a humanidade.
Assinar Sula como a primeira artista de sua nova gravadora familiar sela o arco do protagonista. Ele volta a acreditar na música como arte transformadora e, ao mesmo tempo, fortalece o vínculo com o filho.
O destino de Yung Felon e o peso da desigualdade social
Yung Felon não é apenas um vilão de Luta de Classes. Ele representa o grito de uma juventude deixada para trás, que cresce cercada pela violência e pela falta de oportunidades. Seu plano de sequestro é meticuloso, quase perfeito, mas nasce do desespero e da frustração.
No confronto final, sua fúria é explícita. Ele não quer só dinheiro; quer reconhecimento, quer o que acredita merecer. Mas sua queda mostra como a desigualdade empurra jovens para caminhos extremos, sem oferecer alternativas reais.
Spike Lee não romantiza Felon, mas também não o trata como descartável: ele é fruto de um sistema que separa “os de cima” e “os de baixo”. A recusa de David, embora necessária para seu arco, expõe essa ferida social que o filme deixa aberta.
Spike Lee x Kurosawa
Comparar Luta de Classes a Céu e Inferno é inevitável. Kurosawa mostrou, nos anos 60, a fratura entre ricos e pobres no Japão do pós-guerra. Spike Lee transporta essa mesma crítica para a Nova York contemporânea, adicionando a indústria da música e a luta por autenticidade artística.
Enquanto o vilão japonês era retratado em um momento de desespero patético, Yung Felon explode em raiva, um retrato mais atual de quem sente que a sociedade o abandonou. E, ao incluir a catarse musical de Sula, Lee dá ao final uma nota de esperança que o original não tinha.
É uma atualização fiel ao espírito do clássico, mas profundamente enraizada nos dilemas do século XXI: fama instantânea, mercantilização da arte e um abismo social cada vez mais evidente.
Luta de Classes está disponível o Apple TV+.