Não é errado dizer que Guerreiras do K-Pop foi um dos maiores lançamentos do ano. O longa animado conquistou audiências de todas as idades, acumulando mais de 290 milhões de visualizações e se tornando o maior sucesso global da Netflix em 2025. Misturando K-pop e ação sobrenatural, o filme atraiu crianças, adolescentes e adultos com sua proposta vibrante e envolvente.
A trilha sonora também desempenhou um papel fundamental no sucesso, com músicas como Golden e Soda Pop ultrapassando centenas de milhões de reproduções no Spotify. Ao mesmo tempo, a história de Rumi, Mira e Zoey emocionou públicos ao abordar inseguranças pessoais, culpa, vergonha e a busca por aceitação. Mas por mais potente que a narrativa pareça, existe um dilema central que acaba enfraquecendo a proposta.
A contradição dentro da própria mensagem
Ao longo do filme, aprendemos que os demônios são seres humanos corrompidos pela voz de Gwi-Ma, o vilão principal. Suas maiores fraquezas e traumas são amplificados até que se tornem criaturas dominadas pela dor. Jinu, um dos demônios centrais, mostra exatamente isso ao revelar que aceitou servir Gwi-Ma para tentar fugir da miséria, apenas para ser consumido pela culpa.
Esse mesmo Jinu é quem desperta empatia em Rumi, que passa a enxergar os demônios não como inimigos absolutos, mas como vítimas. Sendo filha de um demônio com uma caçadora, ela também vive o conflito entre o que sente e o que esperam dela. Ao final, Rumi abraça sua verdade, encara seus medos e lidera a HUNTR/X rumo à vitória.
Mas por que apenas Rumi tem direito à redenção?
O problema é que, apesar da empatia por Jinu e de tudo o que aprendemos sobre os demônios, o filme não oferece a eles nenhuma chance real de mudança. Enquanto Rumi é celebrada por superar sua culpa, Jinu morre. E os outros demônios? São eliminados sem cerimônia, inclusive pelos personagens que, minutos antes, também estavam sendo manipulados pela voz de Gwi-Ma.
O roteiro cria uma regra cruel: só quem resiste à dor com perfeição merece continuar. Os demais, mesmo se também forem vítimas, devem desaparecer. Isso vai diretamente contra a mensagem principal do filme sobre acolhimento e autoconhecimento.
O mundo precisa de mais explicações
Outro ponto importante é como o universo de Guerreiras do K-Pop carece de um desenvolvimento mais sólido. Termos como “Honmoon” são centrais para o conflito, mas recebem explicações rasas. A origem dos demônios, o papel de Gwi-Ma e as nuances entre bem e mal poderiam ser mais bem explorados, especialmente diante das complexidades emocionais propostas pela trama.
O próprio relacionamento entre Rumi e Jinu, que é construído de forma gradual e cheia de camadas, termina abruptamente sem tempo para questionar a lógica por trás da derrota definitiva dos demônios. Havia potencial para uma discussão mais profunda sobre cura, compaixão e reconstrução de identidade.
A esperança está na continuação
Com a confirmação de uma sequência, ainda há espaço para corrigir os rumos e entregar uma narrativa ainda mais completa. Mira e Zoey, que também são afetadas por Gwi-Ma, podem se tornar o centro da nova trama. Isso abriria caminho para discutir os efeitos duradouros dos traumas e como eles impactam mesmo aqueles que parecem fortes por fora.
Além disso, o próprio universo pode se expandir para mostrar o que acontece com os demônios que não são destruídos. Será que existe um caminho para recuperação? Se todos já foram humanos um dia, onde está a chance de retorno?
Um final bonito, mas incompleto
Guerreiras do K-Pop encerra com uma mensagem poderosa sobre amor próprio e apoio coletivo, mas, ao ignorar o destino dos outros demônios e concluir que apenas alguns merecem segunda chance, a história perde a oportunidade de ser ainda mais relevante.
O filme permanece como um marco da animação pop e representa um avanço importante nas narrativas protagonizadas por mulheres asiáticas. Ainda assim, para seguir conquistando o público, a franquia precisa olhar para suas próprias sombras.