
O cinema volta a visitar os cantos mais sombrios da mente humana com a chegada de A Longa Marcha, filme baseado no livro homônimo escrito por Stephen King sob o pseudônimo Richard Bachman.
Lançado originalmente em 1979, o romance sempre foi considerado um dos trabalhos mais duros e existencialistas do autor, refletindo medos coletivos em tempos de repressão e guerra. Agora, em sua adaptação cinematográfica, a história ganha novos contornos e um final radicalmente diferente.
O filme apresenta uma maratona distópica e letal em que jovens são forçados a caminhar sem parar sob ameaça de morte. A regra é simples: quem diminuir o ritmo, morre. A competição termina quando resta apenas um participante vivo. No entanto, enquanto a essência permanece, a forma como a narrativa se conclui nos cinemas toma um rumo inesperado em relação à obra original.
O vencedor muda e tudo muda com ele
No livro, Raymond Garraty é o último sobrevivente. Após ver centenas de outros rapazes tombarem um a um, ele segue marchando rumo a uma figura misteriosa no horizonte, ignorando até mesmo o prêmio final e o Major, que comanda a marcha. No filme, no entanto, quem vence a competição é Peter McVries, amigo próximo de Garraty, mudando completamente o impacto do desfecho.
McVries, retratado como um dos personagens mais empáticos da trama, acaba assumindo o centro da narrativa. Após salvar Garraty em diversas ocasiões, é justamente ele quem assiste à morte do amigo e decide usar seu “desejo” para vingar os demais, assassinando o Major. O gesto rompe com a nobreza que McVries carregava até então e simboliza a quebra total de sua moral.
Essa decisão substitui a carga metafísica do final original por um ato concreto de vingança. Se no livro a marcha termina com mais perguntas do que respostas, no filme ela fecha o ciclo com uma catarse violenta e direta, ainda que igualmente trágica.
Alterações que vão além do final
A troca do vencedor não é a única modificação. Stebbins, que no romance é o segundo colocado e morre de exaustão nos momentos finais, no filme sucumbe à doença antes da reta decisiva. Com isso, o embate se limita a Garraty e McVries, retirando o elemento surpresa e o peso dramático que Stebbins representava como figura calculista e misteriosa.
Outra diferença relevante está no próprio Garraty. Na versão literária, ele é movido pela resistência e por uma estranha atração pela marcha em si, o que o aproxima do tom alegórico da narrativa. Já no filme, sua motivação se torna mais centrada na vingança pela morte do pai, executado pelo Major.
Essa transformação afasta o personagem da abstração psicológica para torná-lo mais reativo e impulsivo. O resultado dessas mudanças é um enredo mais linear, voltado para a ação e o confronto pessoal, mas que ainda assim carrega a essência de crítica social e desumanização presente no material original.
Um novo contexto, uma mesma crítica
Mesmo com as alterações de roteiro, o filme conserva a desumanização progressiva dos participantes, um dos elementos centrais da obra. A cada nova execução, o espectador é confrontado com o impacto psicológico do evento, seja nos gritos de desespero de Curley, na aceitação resignada de Barkovitch ou na resistência final de Parker.
Escrito durante o período da Guerra do Vietnã, o livro de Stephen King refletia o medo do alistamento compulsório, a apatia estatal e a resistência à autoridade. O filme, ao atualizar certos contextos, insinua um cenário de colapso civil nos Estados Unidos, com a marcha sendo uma ferramenta de controle e espetáculo. A crítica permanece, mas adaptada à contemporaneidade.
Ainda que o tom do final seja diferente (mais contundente no filme, mais introspectivo no livro), o que permanece é a destruição psicológica dos sobreviventes.
A Longa Marcha está em cartaz nos cinemas.