AVISO: Este artigo possui spoiler do filme.
Há filmes que reinventam monstros, outros, que reinventam ideias. Predador: Terras Selvagens faz os dois.
Dirigido por Dan Trachtenberg (o mesmo de Prey), o novo capítulo da franquia transforma o caçador em protagonista de uma história sobre rejeição, legado e livre-arbítrio, sem perder a essência da ficção científica e da aventura.

Dek, o Yautja rejeitado
Desde o início, Predador: Terras Selvagens deixa claro: Dek (Dimitrius Schuster-Koloamatangi) não é como os outros.
Pequeno e mais fraco, ele é visto como um erro dentro do próprio clã. O irmão tenta protegê-lo, até ser morto pelo pai diante de seus olhos. É uma cena brutal, e o ponto de partida para a jornada de um sobrevivente.
Dek é enviado para Genna, o planeta mais perigoso conhecido pela espécie. Lá vive o Kalisk, uma criatura que nenhum Yautja conseguiu derrotar. Matar o monstro seria sua salvação, a chance de ser aceito novamente.

Thea e Tessa: dois reflexos da humanidade
Nas ruínas de uma missão Weyland-Yutani, Dek encontra Thea (Elle Fanning), uma androide destroçada, sem pernas e cheia de curiosidade. O contraste é imediato, o guerreiro calado e a máquina falante.
A relação entre os dois se constrói com cuidado, e Fanning dá a Thea uma doçura que equilibra a dureza do universo ao redor.
Pela primeira vez, o Predador fala, e revela mais do que esperávamos. Dek demonstra empatia, humor e até vulnerabilidade. O monstro ganha voz, e, com ela, humanidade.
Mas a verdadeira ameaça surge depois: Tessa, uma versão idêntica de Thea, também interpretada por Fanning, mas fria, agressiva e implacável. Criada pela Weyland-Yutani, Tessa é o retrato distorcido da própria sociedade Yautja: obcecada por poder, sem espaço para fraqueza.

Genna: o planeta que forja e destrói
Trachtenberg faz de Genna um personagem à parte. As florestas, os desertos e as criaturas que parecem saídas de um sonho de ficção científica. Tudo em Genna é belo e mortal ao mesmo tempo.
A fotografia explora as locações da Nova Zelândia de forma impressionante, real, suja, tangível. Genna é mais do que pano de fundo: é a arena onde Dek é testado física e espiritualmente.
É nesse ambiente que Dek realmente se transforma. Sem acesso às armas do seu povo, ele sobrevive com ferramentas improvisadas: lâminas, armadilhas naturais e materiais que ele molda a partir do próprio ecossistema hostil.

O confronto
O clímax chega quando a Weyland-Yutani captura o Kalisk. A criatura, símbolo de glória entre os Yautja, é agora apenas um experimento preso, o troféu definitivo da ganância.
Dek, que já havia desistido de matar o monstro, retorna para libertá-lo, rompendo definitivamente com as tradições do seu povo. Durante a invasão da base, Dek e Thea enfrentam Tessa.
A androide, equipada com armamentos Yautja, luta contra Dek, que responde com engenhosidade, usando as próprias armadilhas e recursos do planeta para compensar a desvantagem tecnológica.

A virada
No auge do combate, Thea consegue libertar o Kalisk, que ataca Tessa e a devora viva. Por um instante, parece o fim. Dek hesita, incapaz de matar o monstro. Pela primeira vez, o Predador sente compaixão.
Mas Tessa, gravemente danificada dentro da criatura, ativa um detonador e explode o Kalisk por dentro, Mesmo danificada Tessa ainda se mantem de pé.
É nesse momento que Dek a enfrenta e dá o golpe final. O Predador que nasceu fraco termina a luta como o mais forte, não por vencer, mas por entender o peso de matar.

A volta a Yautja Prime e o duelo final
Após derrotar Tessa, Dek retorna ao mundo natal dos Yautja, Yautja Prime, para encarar o destino que o exílio havia adiado. Ele carrega o troféu que ninguém esperava, a cabeça de Tessa, não a do Kalisk.
É esse ato de rebeldia que o coloca frente a frente com o pai. O duelo final entre pai e filho é filmado como um ritual. Lâminas cruzam e o silêncio pesa mais do que o som das armas.
Ao vencê-lo, Dek conquista o manto do clã, mas redefine seu significado: não é mais sobre matar para provar força, e sim sobre escolhas.

Técnica e emoção
Trachtenberg aposta em efeitos práticos e locações reais, recuperando o realismo perdido em tantos blockbusters. A classificação 12 anos no Brasil reduz parte da violência, mas não enfraquece a tensão.
A fotografia e a trilha sonora elevam o filme, e as atuações sustentam o que o roteiro simplifica. Pela primeira vez em muito tempo, o universo do Predador parece crescer. E, ironicamente, cresce justamente quando decide olhar para dentro.

Veredito final
Nota: 4/5
Predador: Terras Selvagens é um sci-fi de ação com alma, uma aventura emocional sobre rejeição, coragem e identidade. Dan Trachtenberg encontra beleza no inesperado e entrega o Predador mais humano (e mais interessante) em décadas.
Predador: Terras Selvagens estreia 6 de novembro nos cinemas.
