Três anos após surpreender o público e a crítica com um terror de atmosfera sufocante e uma narrativa simples, O Telefone Preto 2 chega aos cinemas tentando repetir o sucesso do primeiro filme. Scott Derrickson retorna à direção, novamente com o roteirista C. Robert Cargill, e o resultado é uma continuação ambiciosa, visualmente interessante e emocionalmente intensa — mas que, ao tentar ampliar o universo e dar respostas demais, perde parte da força que tornou o original tão impactante.
O peso do trauma
A trama se passa alguns anos após os eventos do primeiro filme. Finney (Mason Thames) e sua irmã Gwen (Madeleine McGraw) tentam reconstruir a vida, mas as cicatrizes emocionais deixadas pelo sequestro e pelas mortes continuam abertas. O filme acerta ao explorar o trauma dos sobreviventes, mostrando como a experiência com o Sequestrador (Grabber) ainda assombra suas mentes, especialmente através de pesadelos recorrentes e visões macabras.
Quando novas crianças começam a desaparecer, as autoridades e a comunidade voltam a temer o retorno do assassino mascarado. Só que dessa vez, o mal não é totalmente físico: O Telefone Preto 2 introduz uma dimensão sobrenatural mais clara, em que o espírito do Sequestrador (Ethan Hawke) continua ativo, assombrando os vivos. Derrickson utiliza essa premissa para explorar os limites entre o real e o onírico, transformando o terror psicológico em algo mais abstrato, mas igualmente perturbador.
O retorno do Sequestrador
Ethan Hawke volta a interpretar o vilão com a mesma intensidade do original, mesmo com uma presença reduzida. Seu personagem, agora mais etéreo e vingativo, assume quase uma função simbólica: representa a culpa e o medo coletivo de uma comunidade marcada pela violência. As aparições do Sequestrador são mais escassas, mas o diretor as filma com precisão, mantendo o desconforto e o suspense em cada quadro.
O ponto alto do filme está justamente nas cenas que envolvem o telefone preto — que continua sendo o elo entre o mundo dos vivos e dos mortos. As vozes das vítimas ajudam Gwen e Finney a enfrentar seus traumas, mas o roteiro também sugere que nem todas as almas presas do outro lado estão dispostas a ajudar.
O que muda no tom
Diferente do confinamento angustiante do primeiro longa, O Telefone Preto 2 adota uma escala maior. Boa parte da história se passa em um acampamento isolado durante o inverno, o que cria uma atmosfera diferente — mais ampla, mas menos sufocante. Derrickson e o diretor de fotografia Brett Jutkiewicz apostam em tons frios e na neblina para reforçar o clima de isolamento, mas o novo ambiente acaba tirando parte do terror urbano e da sensação de aprisionamento que definiam o original.
O filme também investe em uma linguagem visual mais experimental. As sequências de sonho são registradas em película 8mm, com textura granulada e cores saturadas, evocando o terror dos anos 1970. A escolha é ousada e funciona em momentos, mas por vezes o estilo se sobrepõe à narrativa, tornando o resultado mais estético do que assustador.
Explicações demais
Se o primeiro Telefone Preto era eficiente por sugerir mais do que mostrava, a continuação tenta explicar o que deveria permanecer nas sombras. O roteiro busca justificar a origem sobrenatural do Sequestrador e detalhar as regras do “outro lado”, algo que acaba quebrando o mistério e diminuindo o impacto do medo. Há até tentativas de dar ao assassino uma motivação trágica, o que soa desnecessário e até contraditório com o que o tornava tão aterrorizante: o fato de ser um mal inexplicável.
Além disso, alguns personagens coadjuvantes são mal aproveitados, especialmente novos investigadores e figuras ligadas ao passado do vilão. A narrativa alterna entre o terror sobrenatural e o drama policial sem conseguir equilibrar os dois com a mesma eficiência do original.
Um terror mais emocional do que assustador
Apesar das falhas, O Telefone Preto 2 mantém momentos de tensão genuína e uma forte carga emocional. O relacionamento entre Gwen e Finney continua sendo o coração da história, e Madeleine McGraw entrega uma atuação sensível, que sustenta o elo espiritual da trama. Derrickson mostra que ainda entende o poder do silêncio e da sugestão — especialmente em cenas em que o telefone toca e o espectador já antecipa o pior.
O filme também aposta em uma abordagem mais trágica do que aterrorizante. O horror aqui é tanto sobrenatural quanto psicológico: o medo de não conseguir superar o passado, de ser perseguido por algo que não morre junto com o corpo. Nesse sentido, a sequência honra o espírito do original, ainda que perca parte da simplicidade que o tornava tão eficaz.
Conclusão
O Telefone Preto 2 é uma continuação corajosa, que tenta expandir um universo já fechado sem trair totalmente sua essência. Há boas ideias, visuais interessantes e atuações competentes, mas o excesso de explicações e o afastamento da tensão claustrofóbica do primeiro filme tornam o resultado irregular.
Scott Derrickson continua um diretor talentoso para o gênero, mas aqui parece dividido entre criar um terror de autor e atender à necessidade de franquia. Mesmo assim, o filme entrega um encerramento emocionalmente coerente, e o toque final — o som do telefone tocando novamente no escuro — deixa aberta a porta para mais uma ligação do além.
Nota: 7/10