A linha do tempo do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) teve início com Homem de Ferro (2008), seguido por filmes solo de Hulk, Thor e Capitão América, que juntos teceram uma narrativa interligada. Essa construção culminou em Os Vingadores (2012), consolidando o modelo de universo compartilhado no cinema. Nos anos seguintes, o MCU se tornou um fenômeno cultural, atingindo seu auge com Vingadores: Guerra Infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019), que arrecadaram mais de US$ 2 bilhões cada, tornando-se sucessos sem precedentes e reforçando a Marvel como a força dominante de Hollywood.
No entanto, a década de 2020 tem sido menos favorável para a Marvel Studios em termos de bilheteria. Embora Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021) e Deadpool & Wolverine (2024) tenham ultrapassado a marca de US$ 1 bilhão, esses casos se tornaram exceções, não a regra. O mais recente Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025) arrecadou menos de US$ 390 milhões globalmente, um número decepcionante para os padrões da franquia. Essa queda nas fortunas do MCU levanta uma questão inevitável: o que aconteceu?
Parte da resposta está na chamada “fadiga dos super-heróis”, um fenômeno que afeta tanto o público quanto a crítica, levando a um menor entusiasmo por produções do gênero. No entanto, outro fator importante é o tom adotado pela Fase 5 do MCU. Iniciada com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023), a fase recebeu duras críticas, especialmente por seu excesso de humor e a falta de uma direção clara para o futuro do universo compartilhado. Essa abordagem tornou muitas histórias menos impactantes e reduziu a sensação de urgência que antes mantinha os espectadores engajados.
Diante desse cenário, a Marvel enfrenta o desafio de reconquistar seu público e restaurar a grandiosidade de sua narrativa. Se a fórmula do passado não está mais funcionando, talvez seja hora de um novo rumo, seja investindo em histórias mais ousadas e bem elaboradas ou redefinindo o tom de suas produções. O futuro do MCU ainda é incerto, mas uma coisa é clara: a era dourada que começou com Homem de Ferro precisa de um novo impulso para continuar relevante no cinema moderno.
Kamala age impulsivamente e desfaz a formação das Marvels
Um dos grandes destaques de As Marvels (2023) é a interpretação carismática de Iman Vellani como Kamala Khan, a Ms. Marvel. No entanto, o filme comete um erro grave ao desenvolver um ponto-chave da trama envolvendo sua personagem.
A história acompanha três heroínas com habilidades baseadas em energia: Carol Danvers, a Capitã Marvel (Brie Larson); Monica Rambeau, também conhecida como Photon (Teyonah Parris); e a já mencionada Ms. Marvel. Em determinado momento, o trio chega ao planeta Aladna, um mundo marcado por música e dança, para impedir que a vilã execute seu plano de drenar os oceanos do planeta.
Desde o início, Carol ensina a Kamala que ser uma heroína exige tomar decisões difíceis. Embora extremamente poderosa, a Capitã Marvel não pode salvar a todos, um dilema agravado pela vasta escala de sua responsabilidade, que se estende por todo o universo. No entanto, quando a batalha em Aladna se intensifica, Kamala age impulsivamente e desfaz a formação das Marvels para “provar” a Carol que também pode tomar decisões moralmente difíceis. O problema? Sua escolha permite que a vilã tenha sucesso na destruição do planeta.
Essa decisão não apenas contradiz completamente o caráter de Kamala, mas também representa um dos piores exemplos de assassinato de personagem no MCU — possivelmente pior do que quando os quadrinhos literalmente mataram a Ms. Marvel. As Marvels está na Disney+.
Qual é a jurisdição de Sam como Capitão América?
O Universo Cinematográfico Marvel (MCU) tem uma visão ambígua sobre a moralidade do vigilantismo. Por um lado, seus heróis enfrentam a injustiça, especialmente quando o sistema de justiça falha ou se revela corrupto. Por outro, algumas das melhores histórias de super-heróis exploram justamente os perigos do vigilantismo. Para equilibrar essa contradição, a franquia frequentemente insere seus heróis dentro do próprio sistema, como ocorre com várias encarnações do Capitão América — embora nem sempre de forma consistente.
Nos quadrinhos, por exemplo, o escândalo Watergate abalou Steve Rogers a ponto de fazê-lo abandonar a identidade de Capitão América e se tornar o Nomad. No MCU, quando Sam Wilson assume o escudo, os Vingadores já estão dissolvidos, e ele não trabalha oficialmente para o governo. Isso torna ainda mais intrigante a abertura de Capitão América: Admirável Mundo Novo, que mostra Sam com um quartel-general próprio e acesso a tecnologia de ponta.
Quem está financiando tudo isso? Em O Falcão e o Soldado Invernal, ficou claro que ele não recebia salário e enfrentava dificuldades financeiras. O que mudou? Sem apoio oficial, como ele conseguiu informações e assistência dos militares dos EUA logo no início do filme? A menos que tenha conseguido um patrocinador secreto, faz pouco sentido um herói independente dispor de recursos tão absurdos. Capitão América: Admirável Mundo Novo está nos cinemas.
Adicionando Sabra ao MCU
Enquanto Capitão América: Admirável Mundo Novo trouxe de volta personagens conhecidos, o filme também introduziu novos heróis dos quadrinhos ao live-action. Um dos destaques dessa leva é Sabra (Shira Haas), que, nos quadrinhos, é essencialmente a versão israelense do Capitão América. No entanto, diante de uma possível reação negativa, a Marvel fez uma grande mudança: em vez de ser uma ex-agente do Mossad, como na HQ, Sabra no MCU agora é uma ex-Viúva Negra do Red Room, provavelmente libertada no final de Viúva Negra (2021). De alguma forma, ela acabou se tornando chefe de segurança do presidente Ross (Harrison Ford).
Dado o clima político tenso no Oriente Médio, essa alteração não é exatamente surpreendente. Mas, deixando a política de lado, a personagem simplesmente não tem propósito na história. Inicialmente, ela assume um papel semelhante ao de Tommy Lee Jones em O Fugitivo, perseguindo Sam Wilson, mas esse arco é descartado rapidamente. Além disso, sua inclusão parece gratuita, já que qualquer outro personagem dos quadrinhos poderia ocupar essa função.
Para piorar, Sabra usa seu traje icônico em apenas uma cena — e nem chega a lutar com ele. O que talvez tenha sido uma decisão acertada, considerando que o figurino parece algo saído diretamente do guarda-roupa de Power Rangers. No fim, sua presença no filme se destaca como apenas mais uma das várias decisões questionáveis de Capitão América: Admirável Mundo Novo. Viúva Negra está na Disney+.
Por que Sam não toma o super soro?
A questão de Sam Wilson tomar ou não o super soro paira sobre toda a duração de Capitão América: Admirável Mundo Novo. Por mais habilidoso que ele seja, Sam continua sendo um homem comum em um mundo repleto de inimigos sobre-humanos — uma desvantagem evidente em sua linha de trabalho. No entanto, sua recusa em aceitar o soro carrega um forte peso temático, algo que o filme deixa claro em uma cena específica.
Durante uma participação especial, Bucky Barnes faz um discurso motivacional para Sam, após Joaquin Torres, o novo Falcão, se ferir em missão. Bucky essencialmente argumenta que o heroísmo de Sam, apesar da falta de superpoderes, prova que qualquer um pode ser um herói, inspirando outros a lutar. Mais tarde, Joaquin reforça esse mesmo ponto.
Embora essa mensagem seja bem-intencionada, a realidade do MCU a enfraquece. Ao rejeitar o soro, Sam se coloca em desvantagem contra inimigos superpoderosos e ameaça a própria segurança dos EUA. Além disso, há inúmeros candidatos dispostos a tomar o soro e lutar pelo país em pé de igualdade com os vilões.
O argumento de que Sam inspira pessoas por ser um “homem comum” também não se sustenta. Ele não é exatamente um cidadão comum — usa tecnologia avançada de Wakanda, tem acesso a equipamentos que a maioria jamais teria e mantém fortes conexões militares. No fim das contas, sua recusa em tomar o soro pode ser uma boa escolha narrativa, mas, analisando friamente, faz pouco sentido dentro da lógica do MCU. Pantera Negra 2: Wakanda Forever está na Disney+.
Moral inconsistente em Guardiões da Galáxia Vol. 3
A trilogia Guardiões da Galáxia é um verdadeiro caso de sucesso dentro do MCU. James Gunn pegou personagens obscuros para o grande público e os transformou em heróis adorados. Todas as três entradas da franquia foram bem recebidas pela crítica, embora Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023) tenha a pontuação mais baixa no Rotten Tomatoes, com 82%. O filme, no entanto, sofre de um problema comum em blockbusters: o velho trope de heróis massacrando capangas sem rosto — ou pelo menos sem nome — enquanto poupam o vilão principal para fazer um ponto moral.
Isso se torna especialmente frustrante porque vemos Peter Quill e Rocket Raccoon exterminando não apenas os capangas citados, mas também animais geneticamente modificados contra sua vontade pelo Alto Evolucionário. No entanto, no momento crucial, Rocket decide que não pode matar o vilão — um ser genocida e destruidor de planetas. Essa mudança de postura soa incoerente dentro da própria lógica do filme.
Para piorar, a cena do meio dos créditos mostra a nova equipe dos Guardiões, agora sob liderança de Rocket, enfrentando animais alienígenas. Embora o contexto sugira que eles estão protegendo uma vila, é uma decisão estranha, considerando que Rocket foi, ele mesmo, um animal comum antes de ser modificado. A moralidade do filme acaba se tornando inconsistente e, em certos momentos, contraditória. Guardiões da Galáxia Vol. 3 está na Disney+.
A voz perturbadora de Jonathan Majors como Victor Timely
Jonathan Majors foi um dos pontos altos de Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, entregando uma performance intensa e magnética como Kang, mesmo quando o roteiro não fazia jus ao seu talento. No entanto, o mesmo não pode ser dito de sua interpretação de Victor Timely — que, aliás, pode ser o nome mais esquisito do Universo Cinematográfico Marvel.
Tanto em Loki quanto na breve aparição na cena pós-créditos de Quantumania, Majors optou por dar a Timely uma voz estranha, com um tom nasal e um ritmo staccato que beira o cômico. A escolha pode ter sido feita para refletir sua personalidade como um showman excêntrico do século XIX, e a necessidade de diferenciar as variantes de Kang faz sentido. Mas, mesmo com justificativas narrativas, o resultado final é simplesmente irritante.
Em vez de parecer um gênio visionário à frente de seu tempo, Timely acaba soando como uma caricatura saída de um esboço de comédia. A intenção pode ter sido criar uma performance marcante, mas a execução tira a seriedade do personagem e enfraquece seu impacto na história. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania está na Disney+.
As pupilas brancas de Wolverine fazem a máscara parecer pior
Os quadrinhos de super-heróis frequentemente apresentam elementos visuais estilizados que fogem da realidade, mas funcionam de maneira abstrata — ou simplesmente têm um apelo estético irresistível. Um exemplo clássico é o efeito dos olhos brancos nas máscaras de certos heróis, como Batman, Deadpool e Wolverine, que adiciona um ar de mistério e intensidade aos personagens.
A adaptação live-action de X-Men (2000) foi um marco para os filmes de super-heróis, estabelecendo as bases para o gênero na era moderna. Inspirado em Blade, o filme abandonou os uniformes coloridos dos quadrinhos em favor de roupas escuras e muito couro. O próprio Ciclope chega a zombar da ideia de usar “elástano amarelo” em uma cena memorável. Felizmente, os fãs finalmente puderam ver Hugh Jackman vestindo o icônico traje amarelo de Wolverine em Deadpool & Wolverine. O visual surpreendentemente funciona bem em live-action — com uma exceção notável: a máscara, mais especificamente os olhos.
O efeito dos olhos brancos pode ser impactante nos quadrinhos, mas em live-action, pode parecer estranho e até perturbador. Além disso, não é essencial — nos próprios quadrinhos, os olhos de Wolverine às vezes são visíveis através da máscara. O resultado no cinema acaba parecendo uma fantasia de Halloween e prejudica a expressividade de Hugh Jackman, já que seus olhos são cruciais para transmitir a intensidade emocional do personagem. No caso de Deadpool, essa abordagem funciona bem devido à sua natureza cartunesca e ao fato de que seus olhos nunca são mostrados nos quadrinhos. Mas, para Wolverine, a escolha visual parece deslocada e pouco natural. Deadpool & Wolverine está na Disney+.
O vasto orçamento da Marvel e o fato da Fase 5
O primeiro longa-metragem de grande orçamento estrelado por um personagem da Marvel foi Howard, o Super-Herói (1986), que acabou sendo um fracasso total. Mais de uma década se passou até que um filme finalmente mostrasse o potencial dos personagens da editora para a tela grande: Blade (1998). O longa estrelado por Wesley Snipes como o icônico caçador de vampiros trouxe uma estética marcante — sobretudo de couro, óculos escuros e combate brutal — que redefiniu o gênero e influenciou inúmeras produções posteriores.
Apesar de algumas diferenças em relação aos quadrinhos, Blade teve um enorme impacto cultural e abriu caminho para a era moderna dos filmes de super-heróis. Por isso, o anúncio da reinicialização do personagem em 2019, com Mahershala Ali assumindo o papel, gerou grande expectativa. Ali chegou até a ter uma participação especial (apenas em voz) em Eternos (2021), sugerindo que a nova versão estava a caminho.
No entanto, o projeto afundou lentamente no chamado “inferno do desenvolvimento”. Vários roteiristas e diretores entraram e saíram, e a produção se tornou tão conturbada que Deadpool & Wolverine até zombou da situação, com Wesley Snipes aparecendo e afirmando que ele é o único Blade.
Dado o vasto orçamento da Marvel e o fato de que a Fase 5 tem sido relativamente fraca em grandes lançamentos, é absurdo que o estúdio não tenha priorizado Blade. Ainda há esperança de que a reinicialização aconteça, mas, a essa altura, é difícil manter as expectativas altas. Deadpool & Wolverine está na Disney+.