![Eryk Rocha, Bruce Albert, Davi Kopenawa e Gabriela Carneiro da Cunha na premiére de "A Queda do Céu" em Cannes. Eryk Rocha, Bruce Albert, Davi Kopenawa e Gabriela Carneiro da Cunha na premiére de "A Queda do Céu" em Cannes.](https://uploads-observatoriodocinema.seox.com.br/2025/02/cannes-yanomami.webp)
A cineasta e atriz Gabriela Carneiro da Cunha marcou sua estreia esse ano como diretora no Festival de Cannes com o documentário A Queda do Céu, uma obra que mergulha na cosmologia e na luta do povo Yanomami pela preservação de seu território e cultura. O filme, co-dirigido com Eryk Rocha, foi exibido na Quinzena dos Cineastas, mostra paralela do evento francês, e surge como um alerta sobre a crise climática e a exploração da Amazônia 27.
Da literatura à tela: uma jornada de sete anos
A inspiração veio do livro homônimo escrito pelo líder Yanomami Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce Albert, que Gabriela descobriu em 2017 durante pesquisas na Amazônia. “Ele mudou minha forma de enxergar a sociedade branca. Davi faz uma ‘contra-antropologia’, usando a perspectiva xamânica para nos questionar”, explicou a diretora, que dedicou uma década a projetos ligados aos rios amazônicos antes do filme 210.
A produção, desenvolvida ao longo de sete anos, envolveu uma colaboração íntima com comunidades Yanomami. A equipe não apenas registrou o cotidiano indígena, mas também capacitou comunicadores locais com equipamentos e oficinas, resultando em coautoria de curtas como Mãri hi – A Árvore do Sonho (2023), premiado no festival É Tudo Verdade 27.
O ritual que se tornou o coração do filme
O ponto central do documentário é o Reahu, cerimônia fúnebre que dura semanas e homenageia o sogro de Davi Kopenawa. “Fomos convidados a registrar esse ritual, que se tornou a alma da narrativa”, destacou Gabriela. A filmagem, realizada com uma equipe enxuta de cinco pessoas, priorizou a imersão cultural, evitando interferências coloniais. “Deixamo-nos levar pela força e pelos sonhos da comunidade”, acrescentou Eryk Rocha 249.
A escolha de não usar luzes artificiais durante as cenas noturnas reforçou a autenticidade do projeto. “A penumbra tornou-se uma linguagem própria, assim como os cantos indígenas que guiam a narrativa”, explicou o diretor de fotografia Bernard Machado 1.
Um alerta para o mundo
Além de celebrar a cultura Yanomami, o filme denuncia ameaças como garimpo ilegal, desmatamento e contaminação por mercúrio — problemas que afetam diretamente mulheres indígenas, tema de outro projeto de Gabriela com os Tapajós. “São lutas pelo território, pelos filhos e pelo útero das comunidades”, ressaltou a diretora, que recebeu o Prêmio L’Oréal Lights on Women’s Worth em Cannes, iniciativa que apoia lideranças femininas no cinema 210.
Legado e esperança
Para Davi Kopenawa, a obra é um instrumento de diálogo com o “povo da mercadoria”. “Espero que promova respeito à integridade dos povos originários”, declarou seu filho, Dário Kopenawa, presente no festival. A mensagem central ecoa a cosmologia Yanomami: sem xamãs para sustentar o céu, a Terra entrará em colapso. “É uma vingança do mundo”, alerta Davi no filme 17.
A Queda do Céu chega ao Brasil ainda em 2024, reforçando a urgência de ouvir vozes indígenas em um planeta à beira do colapso climático.
Ficha Técnica
Título Original: A Queda do Céu
Direção: Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha
Roteiro: Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha
Produção: Eryk Rocha, Gabriela Carneiro da Cunha, Donatella Palermo, Richard Copans, Heloisa Jinzenji e Tárik Puggina
Produtoras: Aruac Filmes, Hutukara Associação Yanomami, Les Films d’Ici
Fotografia: Eryk Rocha, Bernard Machado, Morzaniel Ɨramari e Roseane Yariana
Montagem: Renato Vallone, Lorena Duarte e Pedro Geraldo
Som: Marcos Lopes, Guile Martins (desenho de som) e Toco Cerqueira (mixagem)
Trilha Sonora Original: Comunidade de Watorikɨ e convidados
Elenco: Davi Kopenawa, Justino Yanomami, Givaldo Yanomami, Raimundo Yanomami, Dinarte Yanomami, Guiomar Kopenawa, Roseane Yariana e a comunidade de Watorikɨ
Duração: 110 minutos
Gênero: Documentário
País de Origem: Brasil, Itália, França
Ano de Lançamento: 2024
Idioma: Português e Yanomami
Classificação Indicativa: 14 anos
Sinopse:
O documentário é baseado no poderoso testemunho do xamã e líder Yanomami Davi Kopenawa e acompanha o importante ritual Reahu, que mobiliza a comunidade de Watorikɨ em um esforço coletivo para “segurar o céu”. O filme faz uma crítica xamânica àqueles chamados por Davi de “povo da mercadoria”, abordando temas como o garimpo ilegal e as epidemias trazidas por forasteiros, destacando a beleza da cosmologia Yanomami e a força geopolítica de seus espíritos xapiri.