
Em A Substância, a história se desenrola com um equilíbrio entre o grotesco e o trágico. O longa usa o horror corporal para explorar até onde uma pessoa pode ir em busca de uma juventude que não volta. E, por trás do sangue e dos espelhos, o que se vê é um retrato doloroso da autodestruição mascarada de ambição.
O enredo gira em torno de Elisabeth e Sue, duas versões de uma mesma mulher que se alternam em um acordo impossível de sustentar. A misteriosa substância lhes dá a chance de viver em corpos diferentes, mas sob regras rígidas. Com o passar do tempo, o equilíbrio entre elas se desfaz, e o que começa como um experimento de rejuvenescimento vira uma guerra silenciosa por controle e identidade.

A degeneração inevitável
Ao longo do filme, a relação entre Elisabeth e Sue se torna cada vez mais amarga. O que começa como uma parceria evolui para uma disputa de poder. Elisabeth tenta eliminar Sue, mas hesita; Sue, por outro lado, não demonstra piedade e decide tomar o lugar definitivo. Essa inversão revela o ponto em que a juventude idealizada sufoca a maturidade e o que era desejo vira destruição.
No ato final, a tensão entre Elisabeth e Sue atinge o ponto de ruptura. Sue, dominada pela ilusão de liberdade, mata sua versão original acreditando que finalmente poderá existir sozinha. Só que o preço da vitória é alto. Seu corpo começa a se deteriorar, e a tentativa desesperada de usar o soro ativador novamente resulta em algo grotesco: uma fusão entre as duas, com o rosto de Elisabeth preso ao corpo de Sue.
A cena simboliza de forma brutal a ideia de que o eu rejeitado nunca desaparece por completo. Ele retorna, distorcido, para lembrar que fugir de si mesmo é impossível. Elisabeth ressurge aprisionada, e Sue, deformada, se vê engolida pela própria criação.
Quando Sue tenta se mostrar ao mundo, já transformada, o resultado é desastroso. O público a enxerga como um monstro, e a fuga termina em colapso. A destruição física reflete o fim da ilusão: a busca por perfeição consome o que resta das duas.
Elisabeth sobrevive apenas como um rosto perdido, e Sue se desfaz em meio à própria ruína. Juntas, representam o fracasso de quem tentou vencer o tempo e acabou derrotado pela vaidade.

Crítica à indústria do entretenimento
Harvey, o produtor responsável pelo programa de Elisabeth, personifica a exploração e o desprezo da indústria pela mulher que envelhece. É ele quem desperta nela o medo de se tornar irrelevante.
Mesmo assim, ele permanece impune. O colapso do show e a tragédia no Réveillon não o afetam. Harvey segue ileso, como tantos outros que constroem impérios sobre a queda dos outros. É uma crítica direta ao sistema que transforma insegurança em lucro.
No fundo, A Substância fala sobre o espelho e o que se escolhe enxergar nele. Elisabeth é uma mulher talentosa, mas não se reconhece mais. Harvey e o soro são apenas gatilhos; o verdadeiro veneno vem de dentro. Quando tenta se refazer através de Sue, ela perde o que a tornava humana, eSue, ao acreditar que poderia existir sozinha, herda o mesmo vazio.
O final de A Substância é cruel, mas coerente. Elisabeth e Sue chegam ao limite e descobrem que, ao tentar vencer o tempo, perderam o sentido de existir. O filme termina sem consolo, deixando a sensação de que talvez a maior monstruosidade não seja o corpo em mutação, e sim a incapacidade de aceitar quem se é.
A Substância está diponível na HBO Max.