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Crítica: It: Bem-vindos a Derry rende bons sustos mas se perde na mitologia

Prelúdio de It: A Coisa tem atmosfera impecável e críticas sociais pontuais, mas nem sempre consegue equilibrar sustos e profundidade narrativa

Crítica: It: Bem-vindos a Derry rende bons sustos mas se perde na mitologia

It: Bem-vindos a Derry é a nova aposta da HBO Max para expandir o universo de It: A Coisa, um dos maiores sucessos de terror dos últimos anos. Ambientada nos anos 1960, décadas antes dos eventos dos filmes de Andy Muschietti, a série volta à sinistra cidade de Derry, no Maine — onde o mal parece não dormir nunca.

A trama acompanha um grupo de jovens moradores que começa a perceber eventos estranhos e desaparecimentos misteriosos. Ao mesmo tempo, a cidade vive um período de forte tensão racial e política, e o clima de medo vai se infiltrando nas ruas, nas casas e nas consciências. O espectador vê o mal nascer e se espalhar, até culminar na origem de uma das figuras mais aterrorizantes da cultura pop: o palhaço Pennywise.

Atmosfera e direção: Derry como personagem

Mais do que um cenário, Derry é o verdadeiro protagonista da série. As ruas úmidas, os becos iluminados por postes amarelados e o constante som de algo pingando criam uma ambientação que parece viva — e perigosamente doente. A cidade é apresentada como um organismo pulsante, contaminado por décadas de violência e silêncio coletivo.

A fotografia aposta em uma paleta fria e dessaturada, com flashes de cor sempre associados ao perigo — uma clara homenagem à estética dos filmes originais. Os diretores de cada episódio trabalham o terror como algo crescente e inevitável, evitando o susto fácil em favor de um medo mais psicológico.

Essa abordagem, somada à trilha sonora sutil e opressiva, faz com que It: Bem-Vindos a Derry funcione melhor como uma história de tensão constante do que como um festival de jump scares.

Personagens e performances

A série apresenta novos rostos em Derry, com destaque para o núcleo central formado por uma família afro-americana recém-chegada à cidade. O ponto de vista deles é o mais poderoso da temporada: o medo aqui não é apenas sobrenatural, mas também social. O preconceito e a violência institucionalizados se misturam às manifestações do mal que se esconde nos esgotos.

As atuações são consistentes, com destaque para Jovan Adepo e Taylour Paige, que trazem humanidade e vulnerabilidade aos protagonistas. Bill Skarsgård faz uma participação limitada, mas marcante, como o jovem Pennywise — uma aparição que conecta a série ao universo cinematográfico e provoca arrepios nos momentos certos.

Roteiro e ritmo: entre o mistério e o fan service

O roteiro equilibra bem o drama humano e o terror sobrenatural nos primeiros episódios, mas conforme a série se aproxima do final, o ritmo se torna irregular. Há episódios extremamente atmosféricos, que mergulham na psicologia dos personagens, e outros que soam como pontes forçadas para justificar conexões com os filmes.

A necessidade de explicar demais — especialmente em relação à origem de Pennywise — enfraquece parte do mistério que sempre tornou It tão assustador. Ainda assim, os roteiristas conseguem incluir temas relevantes, como trauma coletivo, racismo e a incapacidade de uma comunidade de enfrentar o próprio passado.

O terror além do palhaço

O maior acerto da série é entender que o verdadeiro horror de Derry não está apenas em um monstro sobrenatural, mas nas pessoas comuns que escolhem ignorar o mal. O medo se manifesta tanto nos becos quanto nas salas de jantar. Essa leitura mais simbólica aproxima It: Bem-Vindos a Derry das obras literárias de Stephen King, em que o terror serve como espelho da sociedade.

Quando a série aposta nesse viés humano, ela é poderosa e inquietante. Quando se prende à mitologia do palhaço e à cronologia do universo It, perde parte da força e cai em redundâncias.

Veredito

It: Bem-Vindos a Derry é uma prequela ambiciosa que honra o legado de Stephen King ao mergulhar nas raízes do medo. A série brilha quando explora o terror psicológico e o drama social, mas tropeça ao tentar explicar o que talvez devesse permanecer enigmático.

Visualmente impressionante e tematicamente densa, é uma produção que merece ser vista — especialmente pelos fãs de It e de horror atmosférico. Ainda que não reinvente o gênero, consolida Derry como um dos cenários mais icônicos e perturbadores da ficção contemporânea.

Nota: 7/10

 
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