Exorcismo

O Ritual: Explicamos o final do filme de terror

O Ritual tem final chocante e deixa uma pergunta incômoda sobre o mal

Entenda o final polêmico de O Ritual e os dilemas entre fé, possessão e traumas reais
Entenda o final polêmico de O Ritual e os dilemas entre fé, possessão e traumas reais

Inspirado em um dos casos de exorcismo mais documentados da história dos EUA, O Ritual tenta provocar o medo com base no real. Mas será que o filme consegue?

Entre possessões, fé abalada e a atuação de Al Pacino, a trama entrega um desfecho que, apesar de previsível, levanta discussões profundas sobre o mal, e o que ele desperta dentro de nós. 

Emma Schmidt enfrenta os primeiros sinais de possessão em cena tensa de O Ritual
Emma Schmidt enfrenta os primeiros sinais de possessão em cena tensa de O Ritual

A dúvida que move a trama: Emma está mesmo possuída?

O filme começa como tantos outros do gênero: gritos assustadores em um convento isolado, uma jovem em agonia e padres convocados para um exorcismo. Mas, diferentemente do que parece à primeira vista, O Ritual não entrega tudo de bandeja, pelo menos até os minutos finais.

Emma Schmidt, a mulher em questão, apresenta sintomas típicos de possessão: convulsões, insultos religiosos e uma força descomunal. Mas o padre Joseph Steiger acredita que tudo tem uma explicação científica. Ele vê ali sinais de um transtorno psicológico, talvez agravado por traumas passados. Essa postura cética acaba virando o verdadeiro motor da narrativa.

Ao longo da história, o filme se pergunta se o mal que vemos em Emma é sobrenatural… ou se foi criado pela maldade humana que a cercou desde a infância. E é aí que as coisas começam a ficar mais sombrias.

Emma é o retrato de uma alma quebrada por forças humanas e sobrenaturais
Emma é o retrato de uma alma quebrada por forças humanas e sobrenaturais

Os traumas que moldaram Emma e abriram espaço para o mal

Quando os padres decidem investigar o passado de Emma, revelações perturbadoras vêm à tona. Seu pai e sua tia, que também eram amantes, a torturaram e envenenaram com práticas de bruxaria. Essa exposição precoce a abusos físicos, emocionais e espirituais fez com que Emma se tornasse extremamente vulnerável.

O filme sugere que foi justamente essa fragilidade que tornou Emma um alvo fácil para forças obscuras. Ou, quem sabe, para surtos psicóticos incontroláveis. É nessa dualidade que O Ritual tenta se sustentar, embora a obra, no fim das contas, não mantenha a ambiguidade que poderia torná-la mais interessante.

Mesmo assim, o horror real está ali: Emma não é apenas uma vítima de demônios, ela é uma vítima da própria família. O mal que a persegue pode ter um rosto muito mais humano do que imaginamos.

Padre Steiger questiona sua fé ao se deparar com o mal em forma humana e espiritual
Padre Steiger questiona sua fé ao se deparar com o mal em forma humana e espiritual

Quando a fé vacila, o exorcismo vira um teste espiritual

Outro ponto de destaque no filme é a jornada de fé do padre Steiger. Ele começa a história abalado, após perder o irmão em circunstâncias trágicas. A dor da perda faz com que ele questione tudo o que acreditava, inclusive a existência de Deus.

Essa crise pessoal se entrelaça com a missão de exorcizar Emma. Inicialmente cético, Steiger reluta em ver a situação como algo espiritual. Mas conforme os episódios sobrenaturais se intensificam, sua fé vacilante começa a ser confrontada por algo que ele não consegue mais ignorar.

No ápice do filme, quando o padre Riesinger, responsável pelo exorcismo, entra em colapso, é Steiger quem assume o ritual. E é com o mesmo medalhão de São Miguel Arcanjo que pertencia ao seu irmão que ele expulsa os demônios de Emma. Uma escolha simbólica que representa não só o retorno de sua fé, mas também o início da sua reconciliação com o luto.

Baseado em caso real, o filme recria o exorcismo mais documentado dos Estados Unidos
Baseado em caso real, o filme recria o exorcismo mais documentado dos Estados Unidos

O desfecho entrega o óbvio, mas deixa uma sensação incômoda

No final, O Ritual toma um caminho previsível: sim, Emma estava possuída. Sim, o exorcismo funciona. Sim, a fé venceu. Mas o problema está justamente na forma como o filme trata essas respostas. Toda a complexidade psicológica construída ao longo da trama é jogada fora nos últimos minutos, em nome de uma conclusão convencional e sem impacto.

Ainda assim, algumas perguntas permanecem. E é nelas que o filme se sustenta. Emma foi realmente curada ou apenas silenciada? O exorcismo salvou sua alma ou só reforçou a ideia de que mulheres traumatizadas devem ser contidas, amarradas e silenciadas por homens com autoridade religiosa?

E mais: o que é mais assustador, um demônio que toma o corpo de alguém ou uma sociedade que ignora os sinais de abuso até que seja tarde demais?

O convento se transforma em palco de tormento
O convento se transforma em palco de tormento

A relação com o caso real e a escolha de apagar a dúvida

O filme é baseado na história de Emma Schmidt, cuja possessão foi documentada nos anos 1920. O caso inspirou diversas obras, incluindo O Exorcista. Mas diferente delas, O Ritual escolhe eliminar qualquer dúvida: a possessão é real, os demônios são visíveis, e o mal tem forma concreta.

Isso faz com que o filme perca um pouco do charme que outros títulos do gênero conseguiram manter. A ambiguidade é uma das maiores forças do horror psicológico, e aqui ela é desperdiçada.

Talvez por limitação orçamentária. Talvez por falta de ousadia. O que resta é uma trama que, embora previsível, ainda carrega um peso emocional, muito mais por seus personagens do que pelos sustos que promete.

Entre traumas e possessão
Entre traumas e possessão

Emma precisava ser amarrada ou ouvida?

Um dos momentos mais controversos do filme acontece quando o padre Riesinger exige que Emma seja amarrada durante os rituais. Steiger, mais compassivo, reluta em aceitar essa violência. Mas após um ataque brutal à irmã Rose, ele muda de ideia.

Esse trecho levanta uma questão desconfortável: quando tratamos alguém como um perigo, será que estamos ajudando ou apenas agravando sua dor? A decisão de conter Emma fisicamente talvez seja compreensível dentro do contexto da história.

Mas também escancara uma crítica ao modo como, por séculos, mulheres com traumas e distúrbios foram tratadas, como bruxas, histéricas, ou possessas. O verdadeiro terror aqui não são os gritos ou os demônios. É perceber que talvez não tenhamos evoluído tanto assim.

Al Pacino vive o experiente padre Riesinger, responsável pelos rituais de exorcismo
Al Pacino vive o experiente padre Riesinger, responsável pelos rituais de exorcismo

O que o final realmente diz sobre fé, dor e redenção

O ponto alto do desfecho não é o exorcismo em si, mas a transformação de Steiger. O padre não apenas recupera sua fé, ele também se reconcilia com o próprio passado, especialmente com a morte do irmão. Ao usar o medalhão deixado por ele, Steiger não derrota só os demônios de Emma, mas também os que o assombravam internamente.

Esse gesto mostra que a cura, tanto espiritual quanto emocional, passa por um processo de entrega. E que muitas vezes, para salvar o outro, precisamos primeiro nos salvar. O filme termina deixando essa mensagem, mesmo que envolta em clichês e soluções fáceis.

No fim das contas, O Ritual talvez não seja uma obra-prima do terror, mas provoca uma reflexão válida: o mal pode até ser real, mas é dentro de nós que ele encontra terreno fértil.

O Ritual está disponível somente nos cinemas.